Ao final de outubro de 1967, após as duas finais dos festivais que chamei de definitivos, havia muito de novo no panorama musical brasileiro e, por extensão, na minha cabeça. Os festivais, a partir daí, proliferaram, criaram uma estética própria, até um tipo de música que perduraria por algum tempo.
E chegamos a 1968, o tal ano que, para muitos, ainda não terminou. Eu entrava no (então) seleto grupo de estudantes de nível superior, ou universitário, como queiram, e me entregava aos novos estudos, relacionamentos, nova dinâmica de vida, tudo novo.
Em 1968 tivemos a "I Bienal do Samba" em maio, com a final em 1º de junho. "Lapinha", De Baden Powell e Paulo César Pinheiro, cantada por Elis Regina, foi a vencedora. "Bom Tempo", de Chico Buarque e, segundo alguns, a primeira letra realmente otimista dele, ficou em segundo lugar.
Em setembro, o III Festival Internacional da Canção Popular, o III FIC, vencido por "Sabiá", de Tom e Chico, injusta e alucinadamente vaiada no mesmo Maracanãzinho que consagrou o que seria o hino da resistência aos negros tempos que viriam, "Pra não dizer que não falei de flores", de Geraldo Vandré, segunda colocada. A terceira colocada foi "Andança", que até hoje é lembrada e cantada em rodas de violão.
Também no III FIC ocorreu a explosão tropicalista, anunciada no ano anterior com "Alegria, Alegria" e "Domingo no Parque". Caetano Veloso e seu "É Proibido Proibir" foram o escândalo da vez, com direito até a discurso do compositor, em protesto à estrepitosa vaia da platéia, à verdadeira provocação estética e musical que a canção representou. Confesso que, na época, também detestei a música.
Também em setembro, tivemos o I Festival Universitário da Canção Popular, meio eclipsado pelos outros ditos "profissionais", que nos deixou "Helena, Helena, Helena", vencedora do festival e que catapultou para o sucesso Taiguara, seu intérprete.
Em novembro e dezembro, o IV Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record, São Paulo, foi um pouco menos tumultuado que o III FIC, enfatizando o cisma entre tropicalistas e o restante das tendências musicais. Venceram "São, São Paulo Meu Amor", do baiano Tom Zé, pelo "Júri Especial" e "Benvinda", de Chico, pelo "Júri Popular", já que haviam criado essa inovação de dois júris. Digno de nota foi a interpretação de Gal Costa para "Divino Maravilhoso", de Gil e Caetano. Eu, que havia conhecido a Gal de interpretações doces e quase sussurradas, me espantei com o ar selvagem e a performance agressiva.
E 1968 chegou ao fim, não sem antes deixar o AI 5 e um aperto brutal da censura, que já existia e que chegou até a alterar, praticamente na hora da apresentação, algumas letras de músicas dos festivais. Iniciou-se uma fase de perseguição e êxodo de artistas e até mesmo o declínio dos festivais, nos moldes em que aconteciam. Um tipo de música, com foco nas letras rebuscadas e de duplo sentido, começou a aparecer, a partir daí, tentando contornar a censura prévia e, ao mesmo tempo, transmitir as mensagens de liberdade, de insurreição, de descontentamento.
Eu já possuia maior intimidade com o violão e havia abandonado a "jovem guarda", coisa que, recentemente, voltei a tocar, "a nível de" e "enquanto" cinquentão, cheio de nostalgias, com um olhar menos crítico para aquele tipo de música e mais complacente para minha preferência por ela, no contexto da época. Já tocava bossa nova, além das músicas dos festivais. O violão seria meu companheiro constante ao longo de minha vida estudantil.
Este post é o último da série "Eu e a música", não pelo esgotamento do tema, mas por já ter cumprido o objetivo (para mim mesmo estabelecido) de justificar meu perfil neste blog. Voltarei aos temas desconexos e difusos que são a marca registrada de meus posts e, eventualmente, farei alguma incursão mais explícita em um tema musical.
Para pontear o post, a escolha óbvia seria "Pra não dizer que não falei de flores", mas escolhi "Andança", de Paulinho Tapajós, Danilo Caymmi e Eduardo Souto, no arranjo original e pouco conhecido, com Beth Carvalho e os Golden Boys. A canção foi rotulada de "toada moderna" (o que quer que isso seja) e projetou Beth Carvalho, então uma magrinha de 22 anos, hoje voltada para o samba de raiz. O arranjo do maestro Gaya foi primoroso, explorando o afinadíssimo vocal dos Golden Boys. O fato da letra ser muito conhecida me faculta não colocá-la no post.