Encerrei o post anterior no ano de 1966. Tirei uns dias e fui para Angra dos Reis descansar, do
trabalho, da rotina, do chat, da internet, do blog, do eu cotidiano. Li três livros e iniciei a
leitura de um quarto. Retorno, após cinco dias sem nenhum contato com a web (e havia micro com
acesso à rede no hotel), e encontro três comentários ao post anterior. Um era de minha querida e
amiga "Cúmplice", trazendo o carinho de sempre, afinal, ela é culpada por este blog. Sobre os
outros dois discorrerei mais abaixo.
Naquele "dolce fa niente" em que me via mergulhado, enquanto o corpo relaxava a mente se
libertava e alçava vôos interiores. Nada sorumbático ou melancólico, entendam. Apenas aquela
tentativa de (re)organizar o passado de forma mais linear do que aconteceu ou de como lembramos.
É claro que, até em função dessa série (intimista, confesso) de posts, busquei, no baú de minhas
lembranças, outras informações sobre o assunto. Fosse eu mais pretensioso, teria como encher um
site inteiro, mas me contento em compartilhar esses fiapos de passado com vocês.
Marcos, do sempre inteligente e mordaz blog Esculacho e simpatia, expressa a "inveja" aos que, como nós, viveram aquela
época dos festivais. Meu caro Marcos, invejo também aqueles que, mesmo de minha faixa etária,
moravam no Rio ou São Paulo, na mesma época. Lá em Recife as informações chegavam atrasadas
(quando chegavam) e apenas pela televisão. Outro aspecto é que, com 16 anos, a visão era
fragmentada, pragmática e difusa, fazendo com que só agora, possamos lançar um olhar mais
objetivo sobre tudo aquilo.
O outro comentário é de Adélia, do blog Oceanos e Desertos que, com sua sensibilidade, discorre sobre o arranjo de
"Arrastão", música do post anterior. Minha cara Adélia, acho que não era o Zimbo Trio, mas sei
que o arranjo foi de Luiz Eça e que, mais tarde, Elis e Jair Rodrigues cantavam, com aranjo
semelhante, com o Jongo Trio. E olhe que consultei o livro que considero definitivo sobre aqueles
festivais, "A Era dos Festivais: Uma Parábola".
Tentando juntar os dois comentários, muita coisa passava por nossos ouvidos e olhos mas não
(ou)víamos. Hoje, apenas ajudado por livros, artigos e até sites, tentamos montar um todo, das
memórias enevoadas, resgatando a emoção que nos assaltava, descobrindo o que não havia percebido na ocasião.
Um dos livros que li foi "TORQUATália {GELÉIA geral}". Não, não é erro de digitação, o título é
grafado dessa maneira. Trata-se do segundo volume de uma compilação, organizada por Paulo Roberto
Pires, da obra de Torquato Neto, um piauiense, considerado um dos ideólogos da Tropicália, morto
(por suas próprias mãos) em 1972, aos 28 anos.
Lendo os artigos, escritos entre março e setembro de 1967, publicados no Jornal dos Sports (que
não chegava a Recife), pude ter outras visões sobre o tema dos dois últimos posts e dos que ainda
escreverei. Conheci Torquato Neto através de algumas letras de músicas, como "Pra Dizer Adeus",
"Lua Nova" e "Veleiro", em parceria com Edu Lobo, "Louvação", "Marginalia 2" e "Geléia Geral",
com Gilberto Gil, essa última considerada o hino da tropicália.
Talvez esteja até me adiantando, na progressão cronológica dessa série de posts, mas uma
digressão se fez necessária, pela leitura do livro, até como uma espécie de desabafo, de mim para
mim mesmo.
Para não fugir (muito) da cronologia, a música que escolhi é de 1965 e, na contra-mão do ato final de Torquato Neto, traz uma mensagem de otimsimo, esperança e alegria. O arranjo é original, gravado por Gilberto Gil.
Louvação
(Gilberto Gil & Torquato Neto)
Vou fazer a louvação - louvação, louvação
Do que deve ser louvado - ser louvado, ser louvado
Meu povo, preste atenção - atenção, atenção
Repare se estou errado
Louvando o que bem merece
Deixo o que é ruim de lado
E louvo, pra começar
Da vida o que é bem maior
Louvo a esperança da gente
Na vida, pra ser melhor
Quem espera sempre alcança
Três vezes salve a esperança!
Louvo quem espera sabendo
Que pra melhor esperar
Procede bem quem não pára
De sempre mais trabalhar
Que só espera sentado
Quem se acha conformado
Vou fazendo a louvação - louvação, louvação
Do que deve ser louvado - ser louvado, ser louvado
Quem 'tiver me escutando - atenção, atenção
Que me escute com cuidado
Louvando o que bem merece
Deixo o que é ruim de lado
Louvo agora e louvo sempre
O que grande sempre é
Louvo a força do homem
E a beleza da mulher
Louvo a paz pra haver na terra
Louvo o amor que espanta a guerra
Louvo a amizade do amigo
Que comigo há de morrer
Louvo a vida merecida
De quem morre pra viver
Louvo a luta repetida
Da vida pra não morrer
Vou fazendo a louvação - louvação, louvação
Do que deve ser louvado - ser louvado, ser louvado
De todos peço atenção - atenção, atenção
Falo de peito lavado
Louvando o que bem merece
Deixo o que é ruim de lado
Louvo a casa onde se mora
De junto da companheira
Louvo o jardim que se planta
Pra ver crescer a roseira
Louvo a canção que se canta
Pra chamar a primavera
Louvo quem canta e não canta
Porque não sabe cantar
Mas que cantará na certa
Quando enfim se apresentar
O dia certo e preciso
De toda a gente cantar
E assim fiz a louvação - louvação, louvação
Do que vi pra ser louvado - ser louvado, ser louvado
Se me ouviram com atenção - atenção, atenção
Saberão se estive errado
Louvando o que bem merece
Deixando o ruim de lado