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18/11/2004

Entre os sonhos, a vida de alguém

No meio dos sonhos havia uma vida. Nada espetacular, entendam. Até simples, cotidiana como as vidas costumam ser, já que os sonhos, por sua própria natureza, são fumaça, mutantes, inconstantes, etéreos, fugidios.

Alternando entre vida e sonhos, alguém. Assim mesmo, indefinido, genérico, síntese incompleta de todos que, enredados em suas próprias existências, movidos por suas razões e emoções, pouco ou nada percebiam e nem se davam conta da existência de alguém.

E alguém seguia os ditames de sua existência, entre vida e sonhos, ao sabor das idéias, movido, como todos, por razões e emoções, perseguindo anseios, enfim, fazendo, em última análise, o que todos faziam.

As existências de todos e de alguém moviam-se à velocidade do tempo, que, à semelhança dos sonhos, era variável, segundo a percepção de alguém, mas não de todos simultaneamente. E o tempo se fragmentava em instantes, cada um com sua própria duração, independente do próprio tempo que apenas seguia, arrastando consigo alguém e todos.

Entre um instante e outro na vida, alguém era, assim como todos. Entre um instante e outro dos sonhos, todos eram, assim como alguém. Nos sonhos, alguém percebia que o tempo não importava tanto quanto na vida, onde teimava em contrariar a emoção. Nos sonhos, alguém nem se dava conta do tempo, que assim agia com todos.

Os sonhos de alguém se entrecruzavam com os sonhos de todos. A vida de alguém tangenciava, em instantes, outras vidas, que eram de todos, mas só em parte e se entremeava com uma ou outra vida, que de todos se desprendia, para fazer parte, só por instantes, da vida de alguém.

E alguém, feliz, se achava todos e o tempo seguia e a vida de alguém virava sonho, só por breves instantes de um tempo que sempre seguia, arrastando todos e não se importando com alguém nem com todos.

Mas alguém estava em todos e não se dava conta, em alguns instantes. E todos apenas percebia que havia alguém nos breves instantes em que este se desprendia, se isolava, subtraía de todos um única essência, deixando ninguém para substituí-lo.

Somos todos, em última análise, alguém, num planeta, numa galáxia, num universo, num tempo de instantes, infinito...


A Via Láctea
(Lô Borges & Ronaldo Bastos)

Vendaval, carrossel segue a vida a rolar
Pé na estrada, pó de estrelas, coração vulgar
Que navega no céu e navega no ar
Grão de areia a vagar

Caravela, pão e mel, segue o circo a rolar
Picadeiros, primaveras, coração vulgar
Que navega no céu e navega no ar
Grão de areia a viver na espuma do mar

E o grão de tão pequeno
Ser tão grande, o que a gente é
Ter esse destino de pessoa que sonhou

Que navega no céu, que navega no ar
Grão de areia a vagar
Lá no fundo azul e anda que nem bola
Como a vida quando quer brotar
Rola como onda que nem fonte de calor

Barricadas, cordilheiras, coração vulgar
Que navega no céu e navega no ar
Grão de areia a vagar na espuma do mar

Aventuras, cicatrizes, segue o mundo a rolar
Diamantes, universo, coração vulgar
Que navega no céu e navega no ar
Grão de areia a vagar na espuma do mar


Escrito por um barco às 17h41
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