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07/02/2005

Eu e a música - dois festivais definitivos

Outubro de 1967. III Festival da Música Popular Brasileira, Teatro Record, São Paulo e II Festival Internacional da Canção Popular (fase nacional), Maracanãzinho, Rio de Janeiro. Na verdade, a primeira eliminatória do primeiro se deu em 30 de setembro, mas foi em outubro que se concentrou o grosso das eliminatórias e as finais. Este post trata do festival da Record.

Antecipadamente, os programas de televisão espalhavam as notícias sobre o estilo das músicas, concorrentes, classificados, criando todo um clima de expectativa. Lembro-me, em particular, no programa "Um Instante Maestro", de um comentário de Sérgio Bittencourt, compositor de grande sensibilidade e crítico extremamente exigente, que detestava a jovem guarda. Comentou que havia tomado conhecimento que Gil e Caetano usariam, nos arranjos de suas músicas, guitarras elétricas, embora suas composições fossem legítima MPB, concluindo o comentário com uma gíria da jovem guarda, dita de forma elogiosa, não me lembro se "barra limpa" ou "papo firme".

E começa o festival da Record. Os ganhadores dos festivais passados estavam todos lá. Vandré, Chico, Edu, Dory, Nelson Motta. Monstros sagrados, como Pixinguinha, Capiba, Ariano Suassuna, Vinicius, até a jovem guarda, representada por Demetrius, Carlos Imperial, Erasmo Carlos, classificaram canções. Os intérpretes eram a nata da MPB e até da jovem guarda, como Roberto Carlos. Enfim, ali estavam todas as correntes da música brasileira e dali sairiam as novas tendências, músicas que, até hoje, ainda são lembradas, cantadas e até gravadas.

Minha primeira decepção foi com Geraldo Vandré e sua música "Ventania", que trazia o pomposo sub-título "De como um homem perdeu seu cavalo e continuou andando". Quando, muitos anos mais tarde na década de 80, Roberto Carlos lançou o "Caminhoneiro", me lembrei da música de Vandré que, na época, chamei de "disparada motorizada", já que ele dizia na letra "...sou chofer de caminhão".

As maiores surpresas foram, "Domingo no Parque", de Gil, segundo lugar do festival e "Alegria, Alegria", de Caetano, quarta classificada. Eram, sem sombra de dúvida, as músicas (e os arranjos) mais diferentes de todo o resto. Na ocasião, ainda não sabia da proposta estética que viria a ser chamada de "Tropicalismo", termo usado pela primeira vez por Hélio Oiticica (aquele, dos "parangolés").

Falando de surpresa, não poderia esquecer a o escândalo de Sérgio Ricardo, quebrando o violão e o atirando à platéia que, em massa, rejeitou com estreptosas vaias a classificação, para a final, de sua música "Beto Bom de Bola", vaiando-a mais ainda na final, o que motivou aquele gesto, nem conseguindo chegar até o fim.

Fora isso, "Roda Viva", de Chico Buarque (classificada em terceiro lugar), "Eu e a Brisa", de Johnny Alf, "Bom Dia", de Gil e Nana Caymmi (recentemente gravada por Milton e Gil), "Menina Moça", de Martinho da Vila (defendida por Jamelão), "O Cantador", de Nelson Motta e Dory Caymmi (cantada por Elis Regina, que levou o prêmio de "Melhor Intérptrete"), "A Estrada e o Violeiro", de Sidney Miller (cantada pelo próprio e Nara Leão, prêmio de "Melhor Letra"). Venceu "Ponteio", de Edu Lobo e Capinan, com total aprovação do público presente.

No que me diz respeito, foi um festival cheio de emoções e de novas aberturas musicais. Já dedilhava o violão com um pouco mais de desenvoltura e até me arriscava a "tirar de ouvido" as músicas que eu achava mais fáceis, claro, que com muitas simplificações de harmonias, afinal, dissonante era algo quase esotérico para mim. Foi o impulso final para me dedicar ao violão (sempre de ouvido).

Por tudo exposto, escolher a música não foi fácil. Fiel às minhas preferências, que priorizam as letras e, normalmente de músicas não muito conhecidas, mas que me marcaram, fico no meio-termo. A música do post é uma homenagem a Sidney Miller, morto prematuramente em 1980, aos 34 anos, autor de belas músicas, até merecedor de um post específico. O arranjo é o do festival, com o autor e a saudosa Nara Leão, morta em 1989. Letra longa, bela, poética.



A Estrada e o Violeiro
(Sidney Miller)

Sou um violeiro caminhando só, por uma estrada caminhando só

Sou uma estrada procurando só levar o povo pra cidade só

Parece um cordão sem ponta pelo chão desenrolado
Rasgando tudo que encontra a terra de lado a lado
Estrada de sul a norte eu que passo, penso e peço
Notícias de toda sorte de dias que eu não alcanço
De noites que eu desconheço de amor, de vida e de morte


Eu que já corri o mundo cavalgando a terra nua
Tenho o peito mais profundo e a visão maior que a sua
Muitas coisas tenho visto nos lugares onde eu passo
Mas cantando agora insisto neste aviso que ora faço
Não existe um só compasso pra contar o que eu assisto


Trago comigo uma viola só, para dizer uma palavra só
Para cantar o meu caminho só, porque sozinho vou a pé e pó


Guarde sempre na lembrança que esta estrada não é sua
Sua vista pouco alcança mas a terra continua
Segue em frente violeiro, que eu lhe dou a garantia
De que alguém passou primeiro na procura de alegria
Pois quem anda noite e dia sempre encontra um companheiro


Minha estrada, meu caminho, me responda de repente
Se eu aqui não vou sozinho, quem vai lá na minha frente


Tanta gente tão ligeiro que eu até perdi a conta
Mas lhe afirmo, violeiro, fora a dor, que a dor não conta
Fora a morte quando encontra, vai na frente um povo inteiro


Sou uma estrada procurando só levar o povo pra cidade só
Se meu destino é ter um rumo só,
choro em meu pranto é pau, é pedra, é pó


Se esse rumo assim foi feito sem aprumo e sem destino
Saio fora desse leito, desafio e desafino
Mudo a sorte do meu canto, mudo o norte dessa estrada
Em meu povo não há santo, não há força e não há forte
Não há morte, não há nada que me faça sofrer tanto


Vai, violeiro, me leva pra outro lugar
Que eu também quero um dia poder levar
Toda gente que virá
Caminhando, procurando
Na certeza de encontrar


Escrito por um barco às 10h19
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