Entramos no ano de 1967. Lá em Recife, após a enchente que me submergiu qual Atlântida, mudei de bairro, da Torre para Boa Viagem, algo como do subúrbio para a praia, onde passei a conviver com uma turma de conhecidos da escola, uma galera mais esclarecida, onde rolava, de vez em quando, uma roda de violão. Já se tentava tocar músicas dos festivais, como Arrastão, Disparada e até Saveiros, embora o atavismo juvenil ainda nos levasse a cantar algumas da jovem guarda.
Em 1967 a televisão comandava as tendências da música, com domínio absoluto da música brasileira, fosse ela da jovem guarda, bossa nova ou de festivais, sim porque os festivais lançaram um modelo diferenciado de música, caracterizada por raízes regionais (Arrastão, Disparada). Programas novos apareciam. Outros se encerravam, como "O Fino da Bossa", se transmutando nas novas tendências que brotavam. "Jovem Guarda" ainda era um sucesso.
Um programa, em particular, ganhou minha preferência, não por trazer novas músicas, mas pelo fato de mostrar cantores e compositores fora de seu habitat. Era "Esta Noite Se Improvisa", apresentado por Blota Júnior, que pronunciava a frase "A palavra é...", enquanto uma plêiade de "calouros", do porte de Chico Buarque, Carlos Imperial e outros corriam a apertar um botão e (tentar) cantar uma música que contivesse a tal palavra. Ali pude aprender a conhecer melhor aqueles que ouvia cantando.
Confesso que torcia por um ilustre desconhecido (para a maioria) que me havia encantado, em dois festivais anteriores, ganhando, em ambos, o prêmio de melhor letra. Era um tal de Caetano Veloso, um baiano meio desengonçado, de fala lenta e arrastada, que disputava o primeiro lugar com Chico Buarque, já que conheciam quase todas as palavras. Eu não torcia pelo Chico porque ele já era unanimidade nacional, por conta de "A Banda", dirigindo minhas simpatias ao baiano esquisito.
Correndo por fora, Wilson Simonal e seu programa "Show em Si... monal", cantando com uma batida cheia de "swing", independente do estilo de música, que podia ser "Meu Limão Meu Limoeiro" ou "Tributo a Martin Luther King".
Havia também Jorge Ben, que desde 1963 cantava um tipo de música que não era bossa nova nem samba, mas uma mistura dos dois. Era um estilo próprio, chamado por ele de "samba-esquema-novo" que não me atraía muito, apesar de achar interessante.
Nesse mesmo ano, é lançado "Sgt. Peppers Lonely Heart Club Band", dos Beatles, uma inovação no tal do "ié, ié, ié", com arranjos mirabolantes, orquestra, letras psicodélicas (termo muito em voga, na época). Para mim foi uma continuação da tendência iniciada com "Revolver", de 1966. Eu curtia, mas acho que me faltava a cancha necessária para entender melhor aquela proposta.
A música engajada, de protesto social ou político, já existia e tinha seu público. Sérgio Ricardo, Edu Lobo (Arena Conta Zumbi), João do Vale passavam meio ao largo de meus intereses de adolescente, embora as ouvisse eventualmente e até cantasse coisas como "Carcará".
No segundo semestre de 1967, dois festivais iniciariam a época mais rica da MPB, mas isso é assunto para o próximo post. Eu já começava a dedilhar o violão, tentado "tirar" músicas de ouvido, mas só as da jovem guarda, pois a tal da bossa nova era inacessível, com seus acordes dissonantes, e a MPB dos festivais exigia um conhecimento do instrumento que ainda não tinha.
Para fechar o post e levando em conta meus 17 anos em 1967, deixo, como lembrança da época, o (hoje comprovado) injustiçado Wilson Simonal. Essa música era uma das obrigatórias em qualquer roda de violão, além de trazer uma mensagem até hoje válida.
Tributo a Martin Luther King
(Ronaldo Bôscoli & Wilson Simonal)
Sim sou um negro de cor
Meu irmão de minha cor
O que te peço é luta sim
Luta mais
Que a luta está no fim.
Cada negro que for
Mais um negro virá.
Para lutar com sangue ou não
Com uma canção também se luta irmão
Ouve minha voz, ô ié
Luta por nós
Luta negra demais
É luta pela paz
Luta negra demais
Para sermos iguais