No post anterior o ano era 1965, eu
estava curtindo a jovem guarda e começando um namoro com os Beatles, tudo em
nome do "ié, ié, ié". Foi em Recife e pela TV local, com programas do
sul-maravilha, em "vídeo-tape", veiculados dias após a transmissão original, que
comecei a receber uma enxurrada de informações musicais, importantes na minha,
digamos, tomada de consciência crítica, só para dar uma certo ar de erudição a
este post.
1965 foi, em termos de disseminação de uma cultura musical
múltipla, um ano fundamental. O programa "Jovem Guarda", comandado por Roberto
Carlos, mantinha acesa a chama da estética da jovem guarda e ainda viria a
lançar moda, através das etiquetas Calhambeque e Tremendão.
"Um Instante
Maestro", de Flávio Cavalcante, era um verdadeiro júri musical e, bem ou mal, me
mostrou parâmetros de julgamento de músicas. Ali conheci nomes como Nelson
Motta, Sérgio Bittencourt, entre outros, que me influenciariam.
O show
"Dois na Bossa" deu origem ao programa "O Fino da Bossa", com Elis Regina e Jair
Rodrigues, que apresentava artistas de várias tendências da música brasileira,
de Adoniram Barbosa a Wilson Simonal, passando por Zimbo Trio, e por aí vai.
Também em 1965 ocorreu o I Festival Nacional de Música Popular
Brasileira, da TV Excelsior de São Paulo, vencido por "Arrastão", de Edu Lobo e
Vinicius de Moraes e cantada por Elis Regina, que lançou aquele célebre
movimento de braços que, no contexto da música, sugeria uma "puxada de rede" (vi
muitas delas em Salvador). Interessante que, ao escrever este post, consultando,
no magnífico livro "A Era dos Festivais", de Zuza Homem de Mello, a lista das
finalistas, a única lembrada até hoje é "Arrastão".
Para mim foi uma
verdadeira "overdose" de informação musical de tal ordem que, ao ir passar as
férias em Salvador, como sempre fazia, já me sentia menos "papo firme", apesar
de que, nas rodas em torno de um violão, sempre rolava uma do Roberto Carlos,
mas já se cantava "Arrastão". Uma guinada e tanto.
No ano seguinte, em
1966, houve três festivais da canção, o II Festival Nacional da Música Popular
Brasileira, da TV Excelsior, vencido por "Porta Estandarte", de Geraldo Vandré e
Fernando Lona, o II Festival da Música Popular Brasileira (o primeiro foi
chamado de I Festa da Música Popular Brasileira e realizou-se em 1960), da TV
Record de São Paulo, onde dividiram o prêmio de vencedores "A Banda" de Chico
Buarque e "Disparada", de Geraldo Vandré e Théo de Barros e o I Festival
Internacional da Canção Popular, da TV RIo e Secretaria de Turismo da Guanabara,
cuja vencedora foi a tremenda e injustamente vaiada "Saveiros", de Dory Caymmi e
Nelson Motta.
Também em 1966 um fato me balançou, no que diz respeito à
minha relação com a música. Na enchente de 1966, em Recife, o apartamento onde
morava ficou totalmente inundado, na verdade, quase submerso. Era no térreo.
Isso me obrigou a morar, por uns dois meses, com parentes de minha madastra,
cujo primo tocava bandolim e se reunia com amigos, formando um grupo de violão,
cavaquinho, bandolim, flauta, pandeiro. Ouvindo aqueles choros, sambas e valsas,
comecei a comparar as harmonias das músicas que gostava e percebi que as da
jovem guarda (e ainda gostava de algumas) eram pobres, em confronto com as
daquelas e as dos festivais. Dali em diante, tocar violão passou a ser uma meta
e eu tinha 16 anos.
Foi nessa época, também, que comecei a prestar mais
atenção às letras das músicas e a apreciá-las, não só no contexto das canções,
mas em sua beleza intrínseca e nas mensagens que traziam. Essa foi, talvez, a
mudança mais importante na minha cabeça, a busca do conteúdo das letras, o que
fez com que eu começasse a me afastar das músicas da jovem guarda.
A
música que havia escolhido me levaria a uma extensa explicação. Tanto é, que
terá um post específico após essa série que iniciei, por isso escolho
"Arrastão", vencedora do primeiro festival realmente importante e que criou uma
estética própria, que seria seguida por alguns anos, por quem compunha músicas
para festivais.
Arrastão (Edu Lobo & Vinicius de Moraes)
Eh, tem
jangada no mar Eh, eh, eh, hoje tem arrastão Eh, todo mundo
pescar Chega de sombra João
Jovi, olha o arrastão entrando no mar sem
fim Ê meu irmão me traz Yemanjá pra mim
Minha Santa Bárbara Me
abençoai Quero me casar com Janaína Eh, puxa bem devagar Eh, eh, eh, já
vem vindo o arrastão Eh, é a Rainha do Mar Vem, vem na rede
João
Pra mim Valha-me Deus Nosso Senhor do Bonfim Nunca, jamais se
viu tanto peixe assim