Lá estava eu, meio de tarde, início de outono ainda com jeito de verão, quente, caminhando com outras pessoas, paisagem cinza mesclada de verde, ou vice-versa, dependendo do ângulo, da visão, do ânimo.
Poucos pássaros esvoaçavam em torno de nós, silenciosos como não deveriam ser.
O suor que o sol extraía do corpo, quando exposto, era combatido e evaporado por um vento persistente e refrescante, nas poucas sombras que cobriam nosso breve percurso.
Uma sensação fria, desalento, abandono, tudo o mais contrariava o calor que teimava em perturbar qualquer tentativa de concentração, que afastava a vontade de lembrar, de reviver, de voltar a ser.
Lá estava eu, mesmo sem querer, obrigado por mim mesmo àquilo que, naquele momento, me atingia, me afetava, a mim e às pessoas silenciosas, naquele caminhar.
E eu observava em cada olhar um infinito próprio. Em muitos, a tristeza explícita, em outros, o vazio do não querer acreditar, em poucos a seriedade dos que entendem que o inexorável é absoluto.
Era tudo meio irreal, como ocorre nas horas em que a vontade de não estar suplanta a percepção objetiva. Era o humano face a face com eterno.
Chegamos, eu e as outras pessoas, ao destino final da caminhada para escutar as palavras tantas vezes ouvidas, em formas diversas, mas com o mesmo sentido.
E ouvimos, olhos fixos num ponto à frente mas que, na verdade, enxergavam muito além, muito mais que o horizonte cinza e artificial que nos cercava.
E respondemos, mecânica e reflexivamente, sem ao menos procurar entender, analisar, elaborar.
E assim fiquei, até o fim, olhos parados, mente vazia, coração trancado, como que observando uma estrada reta à minha frente, laterais se estreitando até que, lá longe, se transformavam num ponto de fuga que, no momento, simbolizava o futuro, conforme percebíamos, estreito, finito.
Naquele momento, nem sei bem porque, me lembrei de Olívia Byington cantando, cristalinamente, a canção abaixo.
E o momento passou, deixando a realidade invadir, mais uma vez, os sentidos até então amortecidos.
E, contudo, a vida continuou, apesar do vazio aparente, apesar de nada.
Água e Vinho
(Egberto Gismonti & Geraldo Carneiro)

Todos os dias passeava secamente na soleira do quintal
A hora morta, a pedra morta, a agonia e as laranjas do quintal
A vida ia entre o muro e as paredes de silêncio
E os cães que vigiavam o seu sono não dormiam
Viam sombras no ar, viam sombras no jardim
A lua morta, a noite morta, ventania e o rosário sobre o chão
E um incêndio amarelo e provisório consumia o coração
E comecou a procurar pelas fogueiras, lentamente
O seu coração já não temia as chamas do inferno
E das trevas sem fim, haveria de chegar o amor
o calor fresco do texto penetrou no meu corpo, me vesti de forma fresca e sentei-me para ouvir a música.
A delicia do poema me descansou…
te beijo
Comentário by Taís — quinta-feira, 12 abril 2007 @ 10:49 am