Um Barco

sexta-feira, 25 julho 2008

Modinha

Ler sobre uma música entitulada “Modinha” leva, invariavelmente, as pessoas de minha geração a pensarem numa rosa na janela, evocando a belíssima canção escrita por Sérgio Bittencourt e vencedora do III Festival de Música Popular Brasileira, de 1968. Não é o caso deste post.

Tampouco discorrerei sobre o gênero musical modinha, que pode ser visto em outras fontes, uma delas o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, fantástica obra de referência sobre nossa música.

Mais recentemente, em 2000, Francis Hime compôs a Sinfonia do Rio de Janeiro de São Sebastião, com cinco movimentos, um dos quais, justamente chamado “Modinha”, simbolizando o Brasil império. Também não é esta, a modinha deste post.

Esta Modinha é uma “Canção do Amor Demais”, nome do álbum emblemático, lançado em 1958, considerado marco da bossa nova, pelo acompanhamento de violão de João Gilberto, ao fundo, para a música “Chega de Saudade” e que reuniu músicas de Tom e Vinicius escritas especialmente para Elizeth Cardoso. Posteriormente, em 2003, Olívia Byington gravou as canções do amor demais e, em 2005, regravou para o filme “Vinicius”, sendo esta a interpretação que poderão ouvir.

 Modinha é uma daquelas canções que me tocam, embora não tenha feito parte de nenhum acontecimento ou fato importante de minha vida. Nem me lembro qundo a ouvi pela primeira vez. Na verdade, só depois de tê-la ouvido com o arranjo desse post é que a melodia me marcou. Não conheço detalhes motivacionais da letra, para quem era dirigida ou até mesmo se há um amor envolvido, já que não fica claro, na letra, a que ilusão o poeta se refere.

Um pouco a letra, outro tanto a música, um pedaço do arranjo e uma boa pitada da interpretação de Olívia Byington fazem com que, ao escutá-la, eu entre num estado que oscila entre a angústia e o desabafo, como querendo arrancar do peito a emoção muda, calada, parada, contida, inútil, quando adormecida, mas que, despertada, infla, amplia, prenche todo o imenso vazio e o vácuo que, paradoxalmente, preenche até os espaços que a tristeza ou a solidão não conseguem ocupar.

Ouço a modinha deste post como quem olha em volta e vê apenas um reflexo de si mesmo em mil espelhos, tudo aquilo que imagino ter sido, que fui, ou não, que não serei ou gostaria de ser, mesmo sabendo que nunca venha a ocorrer e sinto uma dor imensa crescendo, apertando a garganta até, aos poucos, ir-se disssolvendo, deixando o vazio abençoado que sucede a qualquer dor.

Ouço esta modinha com o gosto das noites em que o violão falava por mim e traduzia aquilo que a boca não ousava pronunciar, num passado já longínquo e, como a letra pede, sinto a emoção que ela semeia e que se derrama em mim até o silêncio final, que paira no coração, meio tristeza, meio alívio, e aflora nos olhos, lavando a alma.

Modinha
(Vinícius De Moraes e Antonio Carlos Jobim)

modinha.mp3

Não!
Não pode mais meu coração
Viver assim dilacerado
Escravizado a uma ilusão que é só
Desilusão.

Ah, não seja a vida sempre assim
Como um luar desesperado
A derramar melancolia em mim,
Poesia em mim.

Vai, triste canção, sai do meu peito
E semeia a emoção
Que chora dentro do meu coração.

Filed under: Música — Um Barco @ 10:35 am

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