Um Barco

sexta-feira, 20 agosto 2004

Navegar é…

É preciso, é impreciso, não é preciso, é necessário mas não preciso. É preciso porque viver é navegar, o mais é arremedo. É suficiente. Não nos esqueçamos de que para navegar é preciso viver, não é preciso?

Essas e muitas outras frases permeiam qualquer discussão em torno da analogia (dualidade?) navegar-viver, a partir da frase de Fernando Pessoa.

E entendam viver no sentido mais amplo, virtual incluído, claro e principalmente.

Por mais que alguém afirme ser a mesma pessoa no real e no virtual, (e aqui o termo “virtual” diz respeito à comunicação instantânea na web, chat, mirc, msn, icq, etc.) os códigos de comunicação são muito diferentes.

“Um Barco” é um indicativo dessa analogia ou dualidade. O que falta definir, o que não é nada trivial, é a motivação, que, para cada navegante, é uma, única.

E quando não houver mais motivação para navegar? E quando circunstâncias agem contra nossa vontade de navegar? Sempre haverá uma música para dar uma visão, que não é a única, mas uma a mais.

 
Um Fado
(Vitor Martins – Ivan Lins)

fado.mp3

Nem uma esperança à vista
Nada virá do horizonte
Não haverá mais conquistas
E nem quem as conte

Mulheres gastaram as contas
Do terço em salve-rainhas
Contando nos dedos os filhos
Que faltam nas vinhas

Pra enxugar tantos olhos
Fizeram muitos moinhos
Mas o vento foi pouco
E os olhos do povo
Mancharam as vestes de vinho

Nem uma esperança à vista
Não haverá mais conquista
Não, navegar não é preciso
Viver é preciso

Filed under: Digressões,Música — Um Barco @ 11:24 pm

sexta-feira, 13 agosto 2004

Ser ou não ser…uma ameba!

“Eu queria ser uma ameba”, ela disse.

Na ocasião, a frase até que se encaixou e era apropriada ao contexto do papo, que versava sobre coisas como, ser o que se é, ser o que os outros pensam, ser a imagem que os outros fazem, ou seja, papo-cabeça, daqueles que exigiriam não um frio MSN Messenger, mas uma mesa de bar à beira da praia, chopes, etc.

No dia seguinte, que por acaso é hoje, me pus a meditar sobre a profundidade daquela frase, e pensei numa ameba. Vocês já viram fotos ou desenhos de amebas. Aquele “bicho” microscópico, informe, de aparência gelatinosa, cujo referente mais próximo seria, talvez, uma água-viva daquelas esbranquiçadas que aparecem justamente no verão, quando freqüentamos as praias, para encher nossa paciência e causar irritações.

Chegando em casa, lá fui eu buscar uma ameba nos “googles” da web. Pensei até em consultar meu filho, formado em biologia, afinal, mesmo metaforicamente, a frase representava um questionamento autocrítico, quase uma angústia existencial, mesmo sendo dita em tom de brincadeira.

Tudo bem que eu já conhecia algo, mas queria impressionar os leitores deste blog com meus vastos conhecimentos (de aluguel, é claro). Li que a palavra “ameba” vem do grego e significa “mudança”. Vi uma microfotografia, vi até um filmete. E lá estava ela, pseudópodes, ou falsos pés (seria algo como um “scarpin”?), a mutação constante de forma (inconstância?), a capacidade de envolver os alimentos ou presas para englobá-los em seu seio e assimilá-los (sedução?).

E pensei, “peraí!” (desculpem a grafia, mas é assim que a gente pensa). Isso nós já somos! Usamos sapatos e roupas diferentes, nos aproximamos das “presas” e tentamos “envolvê-las” em tentáculos de encanto.

E a luz se fez em mim. Somos todos amebas! Pronto, caríssima amiga, você já é tudo, até e inclusive uma “ameba”. Com a ressalva que nem tudo é o que parece mas tudo pode ser, desde que queiramos ver.

Bem, só faltava a música para o post, afinal quase todos os meus posts possuem uma. E essa foi fácil, se eu me ativesse ao atributo “mudança” que, afinal, dá à ameba seu nome.

 

Metamorfose Ambulante
(Raul Seixas)

metamorfose.mp3

Prefiro ser essa metamorfose ambulante
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Sobre o que é o amor,
Sobre que eu nem sei quem sou

Se hoje eu sou estrela, amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio, amanhã lhe tenho amor
Lhe tenho amor, lhe tenho horror, lhe faço amor, eu sou um ator

É chato chegar a um objetivo num instante
Eu quero viver nessa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Sobre o que é o amor,
Sobre que eu nem sei quem sou

Se hoje eu sou estrela, amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio, amanhã lhe tenho amor
Lhe tenho amor, lhe tenho horror, lhe faço amor, eu sou um ator

Filed under: Digressões,Música — Um Barco @ 5:38 pm

sexta-feira, 6 agosto 2004

Sabe Gente…

Não poucas vezes, me pergunto o que fez com que este blog chegasse até aqui. Sim, porque eu sei como começou e garanto que, na época, jamais imaginei que iria preencher tantas páginas.

Quem se der ao enorme trabalho de ler meus dois primeiros posts, perceberá o tom irônico que, na verdade, disfarçava a real intenção, conhecer a estrutura de um blog, e eu falo em “html”, “xml”, etc. Isso fica mais claro nos links dos comentários, que fiz questão de manter (o tal “Mais gente lendo…loucos…”). E mantive os dois posts, como um lembrete para mim mesmo.

A partir do terceiro e, principalmente, do quarto post, algo despertou em mim, algo, tenho certeza, que aflora em muitos(as) “blogueiros(as)”. Talvez a tal “força estranha” do Caetano que, em nosso caso não nos leva (apenas) a cantar, mas a “blogar”.

E nos transformamos, não em uma outra pessoa, mas em uma persona meio oculta ou voluntariamente contida de nós mesmos que, na hora em que nos sentamos para publicar algo, assume o comando de nossa vontade e nos faz escrever ou desenterrar escritos antigos, reprimidos por nossa autocrítica.

E passamos a ser conhecidos (por quem não nos conhece, é claro) pelo que postamos e não pelo que somos ou cremos ser, o que não quer dizer que seja ruim ou bom. Um rótulo virtual, talvez.

Já pensei em deixar Um Barco atracado em alguma página, com algum último post, estático, porém sem nenhuma menção de despedida, afinal, nunca é bom destruir as pontes por onde passamos. A volta é sempre uma possibilidade. Uma força, porém, me leva a “blogar”, como na música.

Como já é de meu feitio, fecho o post com uma música que traz alguma leve afinidade com o clima do post. A música, de Gilberto Gil, é uma [espécie de] resposta e uma homenagem a “Eu Preciso Aprender a Ser Só”, dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle”, tanto que esta é citada em melodia e letra. Eliminem da letra, no que diz respeito ao meu estado de espírito, qualquer menção a tristeza, já que tenho atravessado uma calmaria emocional repousante, me sentindo, como disseram os Secos e Molhados, “…muito leve, leve, leve, leve, pluma…”.

Preciso Aprender a Só Ser
(Gilberto Gil – 1973)

precisoaprenderasoser.mp3

Sabe, gente
É tanta coisa pra gente saber
O que cantar, como andar, onde ir
O que dizer, o que calar, a quem querer

Sabe, gente
É tanta coisa que eu fico sem jeito
Sou eu sozinho e esse nó no peito
Já desfeito em lágrimas que eu luto pra esconder

Sabe, gente
Eu sei que no fundo o problema é só da gente
É só do coração dizer não quando a mente
Tenta nos levar pra casa do sofrer

E quando escutar um samba-canção
Assim como
“Eu Preciso Aprender a Ser Só”
Reagir e ouvir
O coração responder:
Eu preciso aprender a só ser

Filed under: Digressões,Música — Um Barco @ 6:48 pm

domingo, 1 agosto 2004

Sobre o difuso…

Apesar da formação profissional me direcionar ao cartesiano, confesso que gosto do difuso, do incerto, do apenas sugerido.

Me agrada a obra aberta, inacabada, a palavra que sugere mais do que explica, o símbolo que instiga mais do que revela.

Gosto da imagem enevoada, impressionista, detalhes (aparentemente) desfocados que, com a distância, ganham contornos nítidos e luminosos. Negação do conhecimento pela proximidade.

Aprecio a arte que deixa a interpretação inteiramente a meu cargo. A obra me indica caminhos, tendências. Escolho o significado que quero, de acordo com o que sinto na ocasião.

Que eu não seja, por favor, rotulado de elitista ou purista. Nada do que declarei exclui o figurativo, o claro, o fechado. Um soneto, de métrica clássica, uma música de polifonia clara, um romance com final determinado também me agradam. O que desejei transmitir foi minha preferência genérica pela sutileza.

Já vi e ouvi muitos experimentalismos na década de 60 para me impressionar facilmente com propostas que se dizem “avançadas” ou “transgressoras”.

Gosto, especialmente, de letras de músicas que possuem viés simbolista ou aberto, bem como daquelas que nada dizem, mas carregam uma sonoridade forte, pelas palavras usadas.

Atentem para a letra de “Açaí”, de Djavan. Nenhum sentido aparente nas palavras, entretanto, principalmente na gravação de Gal Costa, uma enorme musicalidade, casamento de letra, música, ritmo.

Há muito de simbolismo nas primeiras letras de Caetano Veloso, infelizmente pouco conhecidas, já que antecedem “Alegria, Alegria”, música que o tornou famoso.

Poderia escolher letras de Caetano, como “Um Dia”, “Boa Palavra” ou “Clara”, para ilustrar o post e minha preferência pelo difuso, mas optei por Jessé cantando a música “Era Um Dia” (não confundir com outra música gravada por ele, “Um dia…”).

Era um Dia
(Oswaldo Montenegro)

eraumdia.mp3

Era um dia de manhã
Como nos dias de manhã se pode ser
Claro como um dia claro
É como a gente,
É pouco mais do que ser claro
É o que se pode ser

Avalia o coração
Como teu coração também se julga ser
Forte como a chuva é forte
É como a gente,
É pouco mais do que ser forte
É o que se pode ser

Era tudo como tudo
É como se pudesse resultar em nada
Ah eu tenho medo pelo nosso amor
E como o dia amanhecer

Era tudo como tudo
É como se pudesse resultar em nada
Ah eu tenho medo, como se pode ter medo
Quando está feliz

Filed under: Digressões,Música — Um Barco @ 11:35 am

terça-feira, 20 julho 2004

Te Rever – Eduardo Gudin

Gostar de uma música, não interessa o estilo, envolve aspectos de ordem estética, conjuntural ou afetiva, só para citar alguns. A mesma música que nos enleva pode evocar, em outro ouvinte, desde um imenso desprezo até uma total indiferença, afinal de contas, gosto é gosto (ou desgosto, depende).

Na dinâmica da vida, por vezes ouvimos uma música que nos arrebata, para mais tarde a descartarmos em detrimento de outra, a arrebatadora da hora, meio assim como as paixões.

E a música descartada vai para algum disco rígido da memória, aguardando, quem sabe, algum acesso futuro (ou não). Esse acesso é intermitente e traz consigo as lembranças que a música desperta.

Anos se passam e “por acaso ou por um caso”, por alguma emoção fugidia é a lembrança que desperta a música.

Morei em São Paulo nos anos de 81 e 82. Na verdade, morei em Osasco, cidade satélite (sem ofensa, por favor) de Sampa. Vinte e dois anos atrás, era o mesmo que morar em um bairro distante, porém de fácil e rápido acesso, afinal não havia os engarrafamentos monstruosos e cotidianos nas marginais tão comuns nos dias de hoje.

Após algumas voltas, eis-me de volta no Rio em 1985. Estudos, noites em claro, ouvindo FM. E toca “Te Rever”, com Eduardo Gudin. Adorei a música e, imediatamente, rememorei meus tempos de Sampa. E a música se foi e outras músicas vieram e eu fui tempo e vida a fora.

Ontem, após meses de procura, entre sebos e programas de compartilhamento (Soulseek, E-mule, Kazaa), finalmente consegui a música. E me revi com a mesma emoção de 1995, pensando em Sampa, mesmo que a letra não me dissesse nada, em termos de experiência vivida.

Ao entrar na sala de chat, toquei-a para minha amiga “Unidades!” e disse a ela que faria um post, para compartilhar com outras pessoas não uma música apenas, mas a emoção de tê-la ouvido, após tantos anos.

terever.mp3

Te Rever
(Costa Netto e Eduardo Gudin)

Te rever
Por quantos dias ainda vou suportar
Essa ironia de comemorar
O que restou de nós

Te rever
Nos luminosos que não cansam de piscar
E presunçosos querem ofuscar
O amanhecer

E nosso olhar
Cruza a avenida e pára em qualquer farol
Já tão despidas manhãs vão atrás do sol
Tentando aquecer

Te rever
Em cada aula de esquina que a vida dá
Nossa São Paulo ensina a duvidar
Do que restou de nós

Te rever
Nessa garoa que soube nos conduzir
E a gente a toa sem ter onde ir
Foi se envolver

Foi se iludir
Perder de vista tão cedo o entardecer
Pela Paulista o medo de olhar e ver
O amor anoitecer.

Filed under: Música — Um Barco @ 11:45 pm
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