Um Barco

quarta-feira, 2 maio 2007

A Nova Conquista – Fagner e Bezerra

Algumas vezes é difícil explicar, com exatidão, porque gostamos de certa música ou porque sua lembrança ficou em nossa mente por tanto tempo. É o caso de “A Nova Conquista”, de Raimundo Fagner e Ricardo Bezerra, gravada por Fagner e Cirino num compacto de 1971, versão (acho que única) que poderão ouvir, se assim desejarem.

Há canções que estão ligadas a algum fato, geralmente de forte conteúdo emocional, por que passamos e que se tornam uma espécie de marco daquele momento. Essas dispensam explicações, estão tatuadas na memória.

Devo ter ouvido esta canção por volta de 1972 ou 1973 quando a voz esganiçada e única de Fagner ainda não havia marcado presença na MPB. Gostei do estilo da música, meio samba, meio bossa, com uma letra simples mas com algumas construções interessantes.

E ficou na memória até quando, alguns anos depois, Fagner e o pessoal do Ceará acharam e ocuparam seu espaço na MPB, assim como os baianos e os mineiros também o fizeram. E me lembrei, mas nunca mais ouvi.

Interessante é que a canção não marcou nenhum momento importante em minha vida, seja amoroso ou musical, mas resisitiu e só consegui resgatar a gravação recentemente e, claro, via “download”, já que nunca foi disponibilizada em meio físico (pelo menos que eu saiba).

Ressalte-se que é a primeira gravação de Fagner, pelo menos é o que percebi, visitando o site oficial do cantor.

A Nova Conquista
(Raimundo Fagner e Ricardo Bezerra)

novaconquista.mp3

Eu satisfeito da nova conquista
E muito alegre de tanto te amar
Você só pensando na vida e nos saltos
Você só olhando no jeito meus passos
Como que me perguntasse o que mais eu queria
Porque tudo acabava em silêncio eu te juro
Mas meu cigarro iluminava
Tua face quase triste de amar

Amei, eu amei, mas faz de conta
Que a vida é isto mesmo
Porque tudo acabava em silêncio eu te juro
Eu passei a vida esperando
E sem ela minha vida ia passar
Mas sei que a gente perde um tempo inútil
E a sorte quando esta chega não há quem segure
Então vou fazer-te uma promessa
Outro dia a gente vai se encontrar.

Filed under: Música — Um Barco @ 9:20 pm

sexta-feira, 13 abril 2007

Nabucodonosor – Stanislaw Ponte Preta

Sátira, deboche, duplo sentido, malícia, tudo isso está entranhado em nossa tradição musical, tanto quanto a riqueza melódica e a sofisticação harmônica.

Hoje em dia, com o “politicamente correto” e seus defensores radicais pairando, muito do que já foi escrito e cantado não teria mais espaço ou, numa condição mais extrema, seriam fruto até de ações judiciais.

Exemplos? Será que os versos de “Nega do cabelo duro”, “…nega do cabelo duro, qual é o pente que te penteia?…”, de David Nasser e Rubens Soares, lançado no carnaval de 1942 e “…Êta nega tu é feia/Que parece macaquinha/Olhei pra ela e disse/Vai já pra cozinha/Dei um murro nela/E joguei ela dentro da pia…”, em “Minha nega na janela”, de Germano Mathias e Doca, com essa carga imensa de racismo e violência contra a mulher (segundo a visão do politicamente correto), teriam boa aceitação, hoje?

E que dizer de “..olha a cabeleira de Zezé, será que ele é, será que ele é?…”, de João Roberto Kelly e Roberto Faissal? Homofobia clara e explícita, para os padrões atuais?

Sérgio Porto (11/01/1923 – 29/09/1968), mais conhecido como Stanislaw Ponte Preta, foi cronista, escritor, radialista e compositor. Seu humor ferino e mordaz deixou marcas, principalmente pela série “Festival de Besteiras que Assola o País” ou “FEBEAPÁ”, onde atacava, principalmente os políticos (por exemplo, ele usava o termo “depufede”, para deputado federal). Há quem leia traços de machismo e racismo em seus escritos e até alguma discriminação contra o homossexualismo.

Compôs poucas músicas e a mais conhecida é, sem dúvida, “Samba do Crioulo Doido”, gravada pelo Quarteto em Cy no álbum “Em Cy Maior”, de 1968.

Em 2006, houve uma tentativa de renascimento do gênero musical marchinha, inclusive e principalmente no carnaval de 2007, com um festival e até um musical só de marchas, onde parte dos versos acima foram cantados.

Escolhi, para este post a marchinha, “Nabucodonosor”, também gravada pelo Quarteto em Cy. Ela satirizava um fenômeno da época, os desfiles de fantasia, em particular os dos bailes do Municipal e seus personagens cobertos de plumas, paetês e muita vaidade.

No site O Caixote há mais informações sobre Stanislaw Ponte Preta e sobre essa canção, como por exemplo, “- O travesti Rogéria era a Roberta Close do gênero, nos anos 60. Em homenagem a ela, e à turma do terceiro sexo, “já quase passando pra segundo”, Stanislaw acabou fazendo a Marcha da Bicha Louca para ela…”.

A censura, na época, não permitiu o título original, mudando para Nabucodonosor. A interpretação das baianas do Quarteto em Cy valoriza, e muito, a letra, com entonações características do personagem.

A canção, muito difícil de encontrar, tem todos os elementos típicos de seu gênero, com introdução na base do “la-ra-ra” e, pelo que pude pesquisar, foi gravada postumamente em 1973, num “compacto” juntamente com “Baioque”, não tendo feito parte de nenhum álbum do quarteto.

Nabucodonosor
(Sergio Porto – “Stanislaw Ponte Preta”)

nabucodonosor.mp3

Nunca mais quero sair fantasiado
Nunca mais quero brincar no carnaval
Nunca mais, ai, nunca mais serei vaiado
Naqueles bailes do Municipal

Foi no ano passado, eu me fantasiei, imaginem vocês
Fui pra lá carregado, todo enfeitado, com mil paetês
Com miçangas e vidrilhos, apliques, lantejoulas
Bordados eu tinha até mesmo nas minhas ceroulas

Quantas noites tive que ficar acordado
Quantas noites eu cheguei mesmo a passar mal
Quantas noites eu caprichei nos meus babados
Pra quase ir em cana no final

Começou o desfile, a fofoca comia em pleno salão
Sonho de Messalina, não sabe de quem, levou um bofetão
Esplendor Renascentista foi desclassificado
Aí deu um pulo pra cima e caiu desmaiado

Foi então que desisti de desfilar
Foi então que abandonei a passarela
Foi então que começaram a me estranhar
E o povo já gritava prende ela
E o povo já gritava prende ela

Terminou o desfile eu só não chorei porque não sou mulher
E mesmo que fosse, eu nunca seria como uma qualquer
Fui pra minha casa curtindo a minha dor
Rasgado e amassado de Nabucodonosor

Filed under: Música — Um Barco @ 4:18 pm

sábado, 31 março 2007

O Trem – Gonzaguinha

Esse artigo (ou post, como queiram) inaugura uma série dedicada à canção em si, ou seja, em vez da música servir de pano de fundo a algo que eu escrevi, ela é a razão de ser do artigo, embora, de algum modo, eu apareça como cenário, na medida em que a canção me tocou, quando a ouvi e, por isso, compartilho letra e música com que lê este blog.

Considerando a infinidade de sites e blogs sobre músicas, procurarei trazer em cada post com o rótulo “Música”, uma canção pouco conhecida ou mesmo difícil de ser encontrada.

A canção “O Trem”, de Gonzaguinha dos primeiros tempos, foi lançada em 1969, no II Festival Universitário da Música Brasileira, promoção da TV Tupi e da Secretaria de Educação da Guanabara e foi a vencedora do festival. Só para mostrar a importância dos festivais universitários, na época, o I Festival Universitário foi vencido por “Helena, Helena, Helena”.

Entre os concorrentes da segunda versão, alguns nomes, então desconhecidos, como Aldir Blanc (Escola de Medicina e Cirurgia), Ruy Maurity (Psicologia da PUC), César Costa Filho (Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas), Sueli Costa (Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora) e Luiz Gonzaga Nascimento Jr. (Economia da faculdade Cândido Mendes), entre outros. Tudo isso que escrevi, retirei do “LP” (que possuo, gravado em mono) do festival , lançado em 1969 pelo selo Companhia Brasileira de Discos, da PHILIPS.

Em se falando de festivais, o livro mais completo, e ainda em catálogo, é “A Era dos Festivais – Uma Parábola”, de Zuza Homem de Mello que, infelizmente, só cita o I Festival Universitário não trazendo nenhuma informação sobre “O Trem”.

A canção é amarga, em sua mensagem, aliás como eram as da primeira fase de Gonzaguinha. O arranjo inicial, gravado ao vivo no festival, era seco, fazendo jus à letra, diferente deste que está no post e que faz parte do album “Gonzaguinha da Vida”, de 1979. O interessante é que, nesse album, a canção tem o título ” Você se lembra daquela nega maluca que desfilou nua pelas ruas de Madureira? (O Trem)”, talvez para evitar mais um confronto com a censura, coisa muito comum com as canções dele, na época (vide o refrão “…você merece, você merece…”, de “Comportamento Geral, entre outras).

(Re)abrindo uma série de posts sobre músicas e músicos, eis “O Trem”, que deixou marcas muito fortes em mim, então um adolescente de 19 anos, com aqueles grilos existenciais típicos de um jovem da década de 60.

O Trem
(Gonzaguinha)

trem.mp3

Uma prece a quem passa, rosto ereto
Passo certo, olhar reto pela vida, amem!
Uma prece, uma graça, ao dinheiro recebido,
Companheiro, lado amigo, amem!
Uma prece, um louvor ao esperto enganador
Pela espreita e a colheita, amem!

Eia! E vai o trem num sobe serra, desce serra, nessa terra
Vai carregado de esperança, amor, verdade e outros “ades”
Tantos males, pra onde vai? Quem quer saber?

Sem memória e sem destino
Eu ergo o braço cego ao sol
De um mundo meu, meu só
Me reflito, o pé descalço, a mão na lixa
A roupa rota, o sujo, o pó, o pó, o pó.

Morte ao gesto de uma fome – é mentira!
Morte ao grito da injustiça – é mentira!
Viva em vera a igualdade, o valor.

Eia! E vai o trem…

Sob as luzes da cidade a cor alegre,
A festa, a vida ri sem fim
Nem meu dedo esticado traz um pouco o gosto
O doce e o mel pra mim, pra mim.

Viva o tempo sorridente que me abraça!
Viva o copo de aguardente que me abraça!
Morte ao trabalhador sem valor!

Eia! E vai o trem…

Uma prece, um pedido, um desejo concedido
A você na omissão, amem!
Uma prece, uma graça, pelo pranto sem espanto
E a saudade consentida, amem!
Uma prece um louvor, ao adeus, mão contra o vento
Na partida deste trem, amem!

Eia! E vai o trem…

PS: Deixo o link a seguir,
http://umbarco.blog.br/navegar/musicas/trem_original.mp3
para os que quiserem ouvir a versão ao vivo, gravada do II Festival Universitário de 1969.

Filed under: Música — Um Barco @ 11:20 am

sábado, 23 outubro 2004

Motivações, opções e outras explicações.

Cobrado por uma amiga, sobre minhas infreqüentes atualizações neste blog, respondi-lhe que era preguiçoso. Acrescentei que também era hiperativo. Claro que uma das respostas era brincadeira. A primeira.

Já me defini como difuso, o que é verdadeiro e até conseqüência de minha hiperatividade. O fato é que me perco em mim mesmo. O rítmo, às vezes alucinante, de meu trabalho desmente minha pretensa preguiça.

Por motivos conjunturais, não costumo sair muito à noite, sendo a internet e o chat fontes de lazer. Por outro lado, tenho uma certa tendência a (ou vontade de) ser “geek” e gosto de informática (com alguma ênfase em programação). Isso tudo, para não falar nas tarefas que trago do trabalho para casa e que, de uma forma ou de outra, envolvem o uso do computador.

Não gosto de televisão, excetuando-se alguns shows e filmes. De vez em longe, uma dedilhada no violão, só para não esquecer, já que, uma vez por mês, me reúno com um grupo de amigos, para cantar, tocar, beber e beliscar petiscos, não necessariamente nessa ordem. Pronto, está montado o panorama de minha distribuição de tempo.

Puxa! Já ia me esquecendo! Tenho uma família (esposa, filha, sogra e gato) e tudo o que isso implica em disponibilidade de tempo. Falta ainda alguma coisa? Claro, sempre falta, mas fiquemos com essas variáveis das “opções”, do título do post. É óbvio que tudo que escrevi até esse ponto engloba as tais “explicações”, também do título.

O incentivo para a navegação de “Um Barco” é representado pelos comentários das(os) amigas(os) que, apesar da tendência desse “diário da web” (weblog=blog) se transformar em um mensário ou mesmo anuário, tendendo a um seculário, teimam em deixar, sob a forma de comentários, pedaços de carinho, que absorvo, com o prazer de quem come (desde que goste, é claro) uma torta de chocolate (sou chocólatra, portanto, já que este post é uma obra aberta, substituam pelo acepipe preferido).

Em particular, para o post de hoje, meu agradecimento vai para Marcos, autor de um bem humorado e inteligentemente crítico blog, cujo comentário reproduzo abaixo, na íntegra:

[Marcos][www.esculachoesimpatia.zip.net] Meu caro “Barco”, é uma maldade o que nos faz deixando-nos tanto tempo sem lê-lo.
21/10/2004 21:48

O que dizer agora de minhas motivações? Nada, apenas que gravitam ao sabor de meus devaneios instantâneos. Cada post que está neste blog partiu de um incentivo: uma lembrança, um chat, escritos antigos (poucos), desenterrados por uma pá de neurônios e desencadeados pelo acaso ou por um caso. De qualquer modo, mesmo que tarde, me vejo aqui, desnudando-me um pouquinho mais, numa catarse virtual coletiva e co-letiva, já que viver é aprender, embora nem sempre se aperceba disso no momento.

Meu caro Marcos, obrigado pela tacada na bola branca de minhas motivações. A você, dedico este post. A música é, como a maioria das que aqui coloco, não muito conhecida, mas com alguma referência ao momento. Este arranjo é ainda menos conhecido, com o “Som Imaginário”, nos idos de 1970 e com a letra diferente da gravada posteriormente por Beto Guedes. O momento é, ao escrever este post, platônico, com caverna e tudo.

feiramoderna.mp3

Feira Moderna
(Beto Guedes & Fernando Brandt)

Tua cor é o que eles olham, velha chaga
Teu sorriso é o que eles temem, medo, medo
Feira moderna um convite sensual
Oh! Telefonista, se a distância já morreu
O meu coração é velho
O meu coração é morto
E eu nem li o jornal

Nessa caverna o convite é igual
Oh! Telefonista, a palavra já morreu
Independência ou morte
Descansa em berço forte
A paz na terra – amem

Filed under: Digressões,Música — Um Barco @ 6:36 pm

segunda-feira, 23 agosto 2004

Mar Grande

Nem sempre se escolhe o caminho.
Quando se escolhe, nem sempre é o melhor
Por mais que pareça, e nunca é demais
Quando muito, é o que é
E é tudo que se tem, opção.

Estradas,
Curvas escondidas, retas monótonas, cotidianas
Ladeiras íngremes, descidas velozes, emoções.
Trilhos, urbanos na maioria,
Desencontrados e curtos,
Estações, momentos, finais de linha, destino.

Mares, caminhos ondulados
Altos e baixos, calmarias e ondas,
Vagas, numa vida vaga
Sol e chuva, canto, pranto, cantochão.
E se vaga, navega,
E se espera, desespera
E se anda, desanda
E se inflama, chama, ama
E se chega.
Onde?

 

Mar Grande
(Paulinho da Viola e Sérgio Natureza)

margrande.mp3

Se navegar no vazio
É mesmo o destino do meu coração
Parto pra ser esquecido
Navio perdido na imensidão

Lobo do mar, timoneiro
Me leve pro sol, quero outro verão
Não quero mar de marola
Das praias da moda na rebentação

Quero mar alto, o mar grande
Por favor não me mande de volta mais não
Não quero o cais, outro porto,
Não mais o mar morto da minha ilusão

Prefiro ir à deriva
Me deixe que eu siga em qualquer direção
Se eu sou de um rio marinho
O mar é meu ninho, meu leito e meu chão

Filed under: Música,Poesia — Um Barco @ 9:14 pm
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