Visitei, recentemente, a rua em que vivi, dos 5 aos 9 anos de idade e, naquele momento em que lá estive, a canção deste post se tornou mais nítida em minha lembrança, como a rua que, em linhas gerais, mudou relativamente pouco em quase 50 anos. Algumas casas ainda tinham a mesma fachada.
Quanto aos personagens descritos na canção, lembro-me de todos, até e inclusive, do último descrito que, afinal de contas, era eu mesmo, naquela distante década de 50.
Esta música nem faz parte do rol das mais conhecidas de Sidney Miller, como “A Estrada e o Violeiro”, “O Circo”, “Pois é Pra Que”. Ele morreu muito cedo, aos 35 anos e os títulos de suas canções evocavam pedaços da infância, como, além das citadas, “Menina da Agulha”, “Passa, Passa Gavião”, “Marré-de-Cy”, onde usava pedaços de letras originais das canções infantis para pontear letras, em geral longas, com belas imagens.
Era um letrista refinado. “A Estrada e o Violeiro”, que podem ouvir em um post de 2005, obteve o prêmio de melhor letra do III Festival da Música Popular Brasileira, Teatro Record, São Paulo, em 1967.
Sidney Miller viveu pouco, de 1945 a 1980, deixando uma obra pequena e pouco conhecida, mas cheia de jóias musicais.
O Quarteto em Cy é quem interpreta este arranjo de “Minha Rua”, que fez parte do álbum (LP) “Em Cy Maior”, de 1968. Creio, inclusive, que é a única gravação. A letra, não consegui localizar em nenhum site de busca, mostrando como é pouco conhecida, mas como já sabia quase de cor, foi fácil transcrever e compartilhar aqui.
Minha Rua
(Sidney Miller)
minha_rua.mp3
Minha rua pequenina
Tem seu mundo em pouco espaço
Cada esquina tem seu rosto
Cada rosto seu compasso
Cada passo na calçada
Me parece estar chamando
Venham todos na sacada
Que o carteiro vai passando
Roda o mundo e não se cansa
Roda o tempo e não se importa
Porque traz uma esperança
Deixa um sonho em cada porta
Na saudade que transporta
Sua vida não é sua.
São mil vidas de outras terras
De outra gente de outras ruas
Cada passo na calçada
Me parece estar chamando
Venham todos na sacada
Varredor lá vem chegando
Varre o pó da madrugada
Que a vassoura é pau e palha
Varre o lixo na calçada
Que de noite o vento espalha
Fosse a vida o teu trabalho
Vagaroso e vagabundo
Teu sorriso varreria
Varredor a dor do mundo
Cada passo na calçada
Me parece estar chamando
Venham todos na sacada
Vendedor lá vem cantando
Na cabeça traz um cesto
Na cantiga traz a moda
No pregão traz o produto
Chama o povo e faz a roda
Sua voz quando anuncia
Toma o gosto da cocada
Que de noite é melodia
Pra adoçar a namorada
Cada passo na calçada
Me parece estar chamando
Venham todos na sacada
Que o moleque está brincando
Rei da rua tem tesouro
Tem coroa que é de lata
Mas tem sonho que é de ouro
Liberdade que é de prata
Pois seu reino de pirata
Sem fronteira e sem esquina
Ninguém sabe onde começa
Ninguém sabe onde termina
Minha rua pequenina
Faz a volta em cada aurora
Fecho os olhos, dobro a esquina
Digo adeus e vou-me embora