Quem, só por mim, viverá?
Quem, quando eu precisar?
Quem de mim cuidará?
Quem, no instante exato, me verá?
Quem, na hora devida, me lerá?
Alguém
Ninguém
Porém
Lerei, devido à hora, a quem
Verei, num instante, e já além.
Irei, quando alguém me quiser,
Mas viverei só, por mim.
Sobre[tudo]viverei…somente.
sábado, 31 julho 2004
Quem…
quinta-feira, 22 julho 2004
Velho Forte
Nem verdade tristonha, nem mentira risonha, o carteiro, que nem meu nome gritou, deixou um envelope pardo que, pelo tamanho, sabia conter uma revista. Abri, sem ver o remetente, e vi você assim, velho forte, imponente, na capa, abrindo as comportas de meu passado.
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E lá estava você, em várias páginas, em vários ângulos, um dos quais, como esse, nunca visto por meus olhos de criança e adolescente. E lá estava eu, anos e anos atrás, invisível na foto, mas presente em cada lado, em cada parede inclinada, por onde deslizava sobre uma palha de coqueiro. | |
Em seu redor, as brincadeiras da infância e a contemplação adolescente do mar que você até hoje vigia, aquele mar ora azul, ora verde, escravo do clima, das algas e das águas-vivas.
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Velho forte das férias de minha infância e juventude. Perto de você me senti homem, ao receber o primeiro beijo, da primeira namorada. Alguns anos depois, algumas namoradas depois, bem a seu lado, numa noite, me senti humanamente falível, com a primeira bebedeira, por término de namoro (sim, levei um fora). | |
Quando a noite descia, lenta, sua silhueta emoldurada pelo laranja-vermelho-negro do mergulhar do sol nos dizia que era hora de voltar para casa, após um dia cheio de banhos de mar, jogos de bola, brincadeiras nas tardes mornas. E, muitas vezes, voltávamos para você à noite, velho forte, mar prateado pela lua, à beira do qual, em rodas de violão, tantas vezes cantava com os amigos amores ainda não vividos.
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Não morei perto de você, velho forte, a não ser nos meses de férias, mas me sinto agora, vendo as fotos da revista inesperada, bem próximo de novo às suas paredes, bem junto de meu passado, bem longe do meu presente que, de uma forma ou de outra, foi influenciado por você. Mas sinto, e bem forte, uma enorme paz, ao me lembrar de tudo isso.
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terça-feira, 20 julho 2004
Te Rever – Eduardo Gudin
Gostar de uma música, não interessa o estilo, envolve aspectos de ordem estética, conjuntural ou afetiva, só para citar alguns. A mesma música que nos enleva pode evocar, em outro ouvinte, desde um imenso desprezo até uma total indiferença, afinal de contas, gosto é gosto (ou desgosto, depende).
Na dinâmica da vida, por vezes ouvimos uma música que nos arrebata, para mais tarde a descartarmos em detrimento de outra, a arrebatadora da hora, meio assim como as paixões.
E a música descartada vai para algum disco rígido da memória, aguardando, quem sabe, algum acesso futuro (ou não). Esse acesso é intermitente e traz consigo as lembranças que a música desperta.
Anos se passam e “por acaso ou por um caso”, por alguma emoção fugidia é a lembrança que desperta a música.
Morei em São Paulo nos anos de 81 e 82. Na verdade, morei em Osasco, cidade satélite (sem ofensa, por favor) de Sampa. Vinte e dois anos atrás, era o mesmo que morar em um bairro distante, porém de fácil e rápido acesso, afinal não havia os engarrafamentos monstruosos e cotidianos nas marginais tão comuns nos dias de hoje.
Após algumas voltas, eis-me de volta no Rio em 1985. Estudos, noites em claro, ouvindo FM. E toca “Te Rever”, com Eduardo Gudin. Adorei a música e, imediatamente, rememorei meus tempos de Sampa. E a música se foi e outras músicas vieram e eu fui tempo e vida a fora.
Ontem, após meses de procura, entre sebos e programas de compartilhamento (Soulseek, E-mule, Kazaa), finalmente consegui a música. E me revi com a mesma emoção de 1995, pensando em Sampa, mesmo que a letra não me dissesse nada, em termos de experiência vivida.
Ao entrar na sala de chat, toquei-a para minha amiga “Unidades!” e disse a ela que faria um post, para compartilhar com outras pessoas não uma música apenas, mas a emoção de tê-la ouvido, após tantos anos.
terever.mp3Te Rever
(Costa Netto e Eduardo Gudin)
Te rever
Por quantos dias ainda vou suportar
Essa ironia de comemorar
O que restou de nós
Te rever
Nos luminosos que não cansam de piscar
E presunçosos querem ofuscar
O amanhecer
E nosso olhar
Cruza a avenida e pára em qualquer farol
Já tão despidas manhãs vão atrás do sol
Tentando aquecer
Te rever
Em cada aula de esquina que a vida dá
Nossa São Paulo ensina a duvidar
Do que restou de nós
Te rever
Nessa garoa que soube nos conduzir
E a gente a toa sem ter onde ir
Foi se envolver
Foi se iludir
Perder de vista tão cedo o entardecer
Pela Paulista o medo de olhar e ver
O amor anoitecer.
quinta-feira, 8 julho 2004
Simplesmente…
Inevitável, este post! E eu disse a ela. Só não imaginava que seria tão cedo. Ela me chama de “Dezenas!”, eu a chamo “Unidades!” e nem me lembro mais porque nos apelidamos assim, já que não são nossos nicks habituais, na sala de chat que freqüentamos.
Ela me falou que sua simplicidade nem sempre era entendida (ou algo assim). Eu respondi que a simplicidade era um atributo externo, não uma condição intrínseca (ou algo assim).
Seguiu-se um breve colóquio sobre simplicidade. Perguntei-lhe se conhecia a música “Simplesmente”, disse-me que não se lembrava. E colei para ela ouvir, na sala de chat. Durante a execução confessou-me: “debulhei-me aqui” (ou algo assim). Disse-lhe que ainda escreveria um post sobre o tema.
Agradeceu-me pela música e a dinâmica difusa e fragmentada da sala de chat nos separou, conduzindo-nos a outras conversas, outras pessoas.
Ao longo do dia, o tema me perseguiu. Tardinha, em casa, micro conectado, leitura de e-mails e blogs, inspiração (ou algo assim).
Tudo é tão simples e nada é tão simples. Será que é tão simples assim, nos dias de hoje, “plantar e colher com a mão a pimenta e o sal”? Será tão complexo para um de nós, internautas, ler coisas do mundo inteiro?
Tão fácil e simples (para uns) imaginar a paz como um “…barquinho pelo mar, que desliza sem parar…”. Inimaginável e complexo (para outros) sentir-se em paz (ou algo assim) numa rave, dançando techno com a pessoa amada.
Uma coisa é certa (pelo menos, para mim), mergulhar é preciso. Sentir-se raso(a) é não ter uma profundidade interior que justifique um salto para dentro de si mesmo. E, nesse caso, tudo é simples. Complexo é saber-se abissal, saltar e mergulhar em {m}ág{o}uas profundas.
Nada (tudo) simples, tudo (nada) complexo. Divagação (ou algo assim)…
E deixo, abaixo, a canção que colei para “Unidades!”, letra e música, para que, simplesmente, mergulhem…ou não.
simplesmente.mp3Simplesmente
(Paulinho Nogueira)
Quantas vezes eu já fracassei
Quantos bons momentos desprezei
Por pensar demais, por ouvir demais
Por não saber olhar a vida simplesmente
Dentro desse louco turbilhão
Cada um querendo ser melhor
É muito melhor se deixar ficar
Em tudo que você sentir simplesmente
E logo de manhã
Olhar bem dentro de você
Nas coisas como você vê
Duvidar então do que querem fazer você olhar
Fazer você ouvir, fazer você pensar
E chegando a noite devagar
Descontrair sua razão
Soltar de leve o coração
Procurar alguém o seu bem verdadeiro tão somente
Que vai saber simplesmente
O que é bom pra você
domingo, 4 julho 2004
Eu canto o Corpo elétrico
Um comentário de Loba ao meu post “Olhar…substantivo…”, uma visita ao seu blog, a leitura do post “Invasão do querer”, motivação para um novo post, cujo título poderia ser (e tem tudo a ver com) “Vontade e Desejo”. No comentário, ela se define como loba uivando, em sexta-feira de lua cheia e em “Invasão do querer” fala da vontade de amar, vontade de sexo.
O título deste post, do poeta americano Walt Whitman, é bastante conhecido (pelo menos em inglês – I sing the Body electric) e título de um dos poemas de sua obra “Leaves of Grass”. Já foi conto de Ray Bradbury e, posteriormente, episódio da série de TV “Além da Imaginação” (The Twilight Zone) em 1962, título de discos do Weather Report (com Wayne Shorter e Jaco Pastorius) e do percussionista brasileiro Dom Um Romão, além de ser o título da música tocada e dançada pelos alunos, em sua formatura, no filme “Fama”, o que mostra a força da frase no imaginário americano.
No poema, Walt Whitman glorifica o Corpo, não apenas como objeto sexual, porém em toda sua beleza e funcionalidade.
E é o corpo elétrico que, para mim, define o desejo e me leva a essa digressão sobre vontade e desejo.
Vontade é querer, desejo é necessitar; vontade é predisposição, desejo é iminência; vontade é pensar, desejo é sentir; vontade está no interior, desejo aflora na pele; vontade independe da presença, desejo emerge na proximidade; vontade é contida, desejo é abortado; vontade é o que Loba descreve em “Invasão do querer”, desejo é o que Gonzaguinha explicita em “Infinito Desejo”.
Longe de mim esgotar o tema. Apenas um breve solilóquio dedicado a Loba, muito mais silencioso que seu uivo.