Nas canções que escutava, dividia minha apreciação pela melodia, letra, harmonia e arranjo, nem sempre nessa ordem, mas prestando atenção a cada detalhe dessas partes. Como aprendiz de tocador de violão, naquele fim dos anos 60 e início dos 70, me deixei levar pelas harmonias rebuscadas e arranjos ricos e exóticos, principalmente nos festivais, onde cada cantor, compositor ou arranjador se esforçava para criar algo que o diferenciasse dos demais.
Quanto às letras, gostava muito das longas e rebuscadas. Em alguns festivais, houve, inclusive, a categoria de “melhor letra”, que teve ganhadores como “Um Dia”, de Caetano Veloso, “A Estrada e o Violeiro”, de Sidney Miller, para citar as que me lembro de cor.
Em particular, me fascinavam algumas músicas de protesto, pela mensagem que carregavam (quando podiam ser liberadas), algumas bastante disfarçadas, mas que atingiam seu alvo preferencial, a juventude universitária.
Viva Zapátria foi uma dessas canções que logo me atraiu pela letra e pela harmonia, em cujo arranjo original podia-se ouvir o harpejo de um violão com acordes invertidos de difícil execução, ou seja, tudo o que um aprendiz de tocador apreciava.
O título se prestava a várias interpretações, como, “vivas à pátria”, “viva Zapata, a pátria”, esta uma alusão, proposital, ao revolucionário mexicano.
O fato é que a canção foi inscrita no VII Festival Internacional da Canção, da TV Globo, em 1972. A letra era de Murilo Antunes e a música de Sirlan Antônio de Jesus. A história da inscrição no festival e dos desdobramentos com a censura, até poder ser liberada, merece ser lida. Deixo de publicar aqui por ser longa., porém ela é contada no livro “A Era dos Festivais”, de Ricardo Cravo Alvin e narrada, pelo próprio letrista, no site “Museu da Pessoa”, e pode ser vista neste link. É uma longa entrevista, em várias páginas mas o episódio, hilário em algumas passagens é contado, na que se abre (em nova janela), ao se clicar o link, bem como na página seguinte. Até Chico Buarque participou da verdadeira farsa que foi o convencimento dos censores para que liberassem a canção.
A música foi classificada para a final nacional, onde foi defendida por Sirlan, num arranjo semelhante ao que ouvem. Do conjunto que o acompanhou no festival, faziam parte Flávio Venturini e Beto Guedes, afinal Murilo Antunes era da “Turma da Esquina” e compositor de jóias posteriores, como “Nascente”.
A letra, para os que não viveram aquela época, pode parecer simples, mas cada frase que escapava do crivo da censura era bebida com prazer por quem ouvia, como mensagem de esperança e liberdade. Só para lembrar, “Pra Não Dizer Que Não Falei de Flores” ficou em segundo lugar num festival cuja final foi em setembro 1968 e, logo a seguir, proibida, já que, em dezembro do mesmo ano, seria editado o AI-5, trazendo consigo uma série enorme de restrições às manifestações artísticas.
Apenas para arrematar, a carreira promissora do cantor e compositor Sirlan foi arruinada, por conta de perseguições por parte da censura.
Viva Zapátria
(Murilo Antunes e Sirlan)
Esse meu sangue fervendo de amor
Aterrisam falcões, onde estou?
Carabinas, sorriso, onde estou?
Um compromisso a sirene chamou
Duplicatas, meu senso de humor
Se perdeu na cidade onde estou.
Viva Zapátria, saudou esse meu senhor
Beijos, abraços, ano um chegou
Salve Zapátria, ê, viva Zapátria, ê
Esta cidade foi uma herança só.
Viva Zapátria, saudando o senhor
Horizonte aberto onde estou
Esta América mãe onde estou.