Havia algo de rural na modernidade brasileira de 1967. Claro, havia as Ligas Camponesas, movimentos de lavradores, protestos (que perduram até hoje, com outros rótulos), intensa atividade literária e musical, em clima de denúncias e de loas à liberdade. Peças, musicais, canções cantavam um Brasil do campo, do litoral de pescadores, até de caminhoneiros (pré Roberto Carlos), num modernismo meio atávico e exótico, onde havia lugar, também, para cantar o amor.
A bossa nova já não atraía alguns compositores que a haviam abraçado, inicialmente, mas estavam mudando para um formato musical típico de festivais, com refrões fortes e de fácil memorização.
Um grupo enveredava pela música dita engajada, outro inventava o que viria a ser chamado de tropicalismo, arranjos sofisticados em contraste com uma linguagem popular, outro ainda buscava formas experimentais, pouco a pouco se afastando das harmonias tradicionais. Assim, era comum que num mesmo álbum, o artista ou compositor procurasse cobrir as várias tendências musicais.
Um exemplo disso é o álbum “Viola Enluarada”, de Marcos Valle, onde se poderia ouvir desde a canção-título, representativa de uma dessas novas tendências, até “Terra de Ninguém”, música de protesto rural, inspirada talvez pelas areias de Ipanema, passando por uma experimental “Próton Elétron Neutron”, por um frevo, “Pelas Ruas do Recife” e uma marcha lenta e triste “Bloco do Eu Sozinho”, esta objeto de um post deste Barco. Talvez um dos melhores álbuns da profícua carreira de Marcos Valle.
Em outra vertente, Edu Lobo, vencedor de festival em 1965 com uma canção de pescadores, “Arrastão”, também apresentada em outro post. Na segunda metade de 1967, Edu Lobo, tendo como letrista Capinan, um de seus parceiros constantes, ganharia mais um festival, dessa vez com “Ponteio”, outra canção que, usando elementos do interior do Brasil, trazia harmonia e arranjo sofisticados, mas que levantaram o público.
Ainda em 1967, lança um “LP”, “Edu”, onde mantinha uma unidade conceitual, abordando temas tradicionais e mostrando formas modernas de rítmos típicos, à semelhança do que fizera em “Ponteio”, na “Embolada” ou no “Chorinho de Mágoa”, sem esquecer um pouco de crítica social, embora disfarçada, no “Jogo de Roda”.
Desse álbum, escolhi “Rosinha”, música de Edu Lobo e letra de Capinam. “Rosinha” é, no meu modo de pensar e sentir, a idealização de um amor daqueles típicos dos adolescentes. A garota inatingível, o jeito ingênuo, tranças, a simplicidade dos gestos juvenis, tudo num cenário caracteristicamente rural.
O arranjo parece captar muito bem esse clima meio nostálgico, meio triste, meio melancólico. O solo inicial de trombone, como que antecipando o espírito da letra, a voz aveludada de Edu Lobo transmitindo o desalento. Até hoje ouço essa canção com ouvidos de adolescente e, de certa forma, me identificando com o jovem e seu amor não correspondido.
Rosinha
(Edu Lobo & Capinan)
Rosa vai com a sombrinha caminhando
Pra onde Rosa caminha
Lá vou eu me desviando
Pra onde Rosa caminha
Lá vou eu me desviando
Rosa trança e mal-me-quer
O vento vai levantando
Rosinha se não me quer
Eu deixo a chuva te molhando
Rosinha se não me quer
Eu deixo a chuva te molhando
Rosa vai com a sombrinha
Caminha sem responder
Andorinha, pastorinha
Eu tomo chuva por você
Vou na serra buscar flôres
Mal-me-quer e girassol
Prometi um passarinho
Cardeal ou curió
Prometi um passarinho
Cardeal ou curió
Rosa vai com a sombrinha
Rosa vai com o namorado
Pra onde Rosa caminha
Sigo eu abandonado
Pra onde Rosa caminha
Sigo eu abandonado
Ô Rosa…