Terça, 09/01/2007

Reflexão

O rosto que olha meu rosto,
Do espelho, me revela estranho
E, de certa forma, familiar.
Mescla de passado e de presente,
Mistura do que fui e quis ser
Com o que sou, embora não queira,
Mas sou eu mesmo, acho...

Quanto mais eu leio as frases do tempo,
Desenhadas e riscadas na pele, rascunhos,
Mais e mais entendo os olhos que me fitam.
Mesma claridade, cor, brilho,
Que me acostumei a ver, a ler, a ter,
Descartando a existência de um futuro,
Habitante contínuo do presente.

O sorriso que o obrigo a me mostrar
Já não é tão cristalino, tão leve,
Antes um pouco sisudo, um pouco grave,
Nada diferente do que sempre vi
Se bem que diferente do que pensava, uma dia
Ter, de qualquer modo, é um sorriso,
E não uma face vazia de recordações.

A cara que agora apresento ao espelho
E que se esforça em parecer familiar,
É minha imagem fiel  e meu estranho interior, 
Desejo de perenidade, minha âncora
Com o passado, continuidade, prevalência
Da vontade de saber, de entender
Aquilo que o espelho se nega a refletir.

O presente que o espelho me expõe
É plano, superficial, enganoso,
E, no final, consigo ler, além do rosto sério,
E do sorriso aparentemente frio, a gargalhada
Que o espelho tenta ocultar de mim,
Leio o que não devo, nunca, deixar de ser,
E libero meu riso, gargalho, logo, vivo.

E fico rindo para aquele riso solto,
Preso na superfície plana do espelho, 
Até sentir a passagem do momento,
E, até com certo alívio, relaxo, me acalmo,
E devolvo ao espelho o controle que tomei,
Para que a realidade objetiva retorne,
Lavo o rosto, enxugo, vou trabalhar.

Escrito por Um Barco às 20h34

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