Quarta, 26/10/2005

O Morrer da Luz

Na versão anterior deste blog fiz referência à frase "I sing the body electric", de um poema de Walt Whitman, cuja tradução foi até título de um post.

Hoje, rendo-me a outra frase em inglês, desta feita "...the dying of the light...", do poeta britânico Dylan Thomas, que consta do título deste post, numa tradução muito pessoal. Embora o poema fosse uma referência à morte (do pai) e um desejo que ele se revoltasse e não se entregasse sem luta, a luz, aqui neste post, tem o sentido de qualquer coisa que nos ilumina e direciona. Amor, amizade, sonhos, anseios, desejos, sentimentos, sentidos.

Não usei o substantivo morte (da luz), preferindo a forma substantivada "o morrer". Substantivos são secos, pontuais. A morte seria apenas o fato. Na minha visão, "o morrer" é um ato e traz uma idéia de transição, passagem, algo como o anoitecer, quando observamos, paulatinamente, toda a transformação do claro em escuro.

O morrer da luz é como a partida indesejada de um porto, o lento minguar da paisagem, o afundar sereno do cais no horizonte e de um sonho qualquer nas águas da realidade, tudo isso visto do ângulo de nossa emoção.

O morrer da luz é o apagar gradual de um sentimento que julgávamos forte, duradouro, mas que, a cada dia, a cada avaliação, vai perdendo a nitidez dos cotornos, a substância que parecia vital e que, agora, se confunde com a paisagem comum que povoa nosso coração.

O morrer da luz é o esperar por aquilo que só nossa vontade insiste em dizer que virá, sabendo que cada despertar faz retrair a lente da ilusão, deixando a nitidez fria da falta de perspectiva naquela direção.

O morrer da luz é o passear pelos jardins da memória e sentir, a cada passo, um aumento de aspereza no caminho, uma árvore a menos, uma sombra maior, um esmaecer de cores, uma uniformização sombria e cinzenta.

O morrer da luz é enxergar o passado cada vez mais distante, como através de uma luneta invertida, e ver o futuro como um vazio a ser preenchido, sem que saibamos bem como.

O morrer da luz é como uma perda dos referenciais mais próximos, é o olhar em volta e sentir um aumento de irrealidade, como se fôssemos estranhos àquela paisagem até então familiar.

O morrer da luz é um pressentimento que, de nossos mãos, irá escorrer, diluído pelo passar dos dias, um pedaço de barro com o qual moldaríamos um sonho em forma de vontade.

O morrer da luz é o abandono de um caminho que nos parecia seguro e a escolha de mais um atalho, entre tantos outros transformados em caminhos e, posteriormente, abandonados. É a perda do rumo, talvez de uma forma mais doída, mais triste, até definitiva.

O morrer da luz não representa um fim em si, ou o fim. É apenas o (re)nascimento de um outro horizonte, outra prioridade, outro direcionamento para o que temos dentro de nós e que está sempre buscando, cegamente, irracionalmente alguma luz, mesmo e até sabendo que em algum ponto à frente da vida estaremos, de novo, contemplando o morrer da luz.


Escrito por Um Barco às 19h25


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