Quarta, 28/09/2005

A Perda do Rumo

A perda do rumo é a perda do foco instantâneo, que era centrado naquele momento, naquele fiapo de tempo, naquele contexto, naquilo que coração e razão haviam acordado que seria o caminho, num equilíbrio aparentemente estável, embora instavelmente satisfatório.

A perda do rumo pode se dar de uma forma sutil, insidiosa, como uma corrente lateral nos desviando, por estarmos com os olhos fechados, com os ouvidos surdos, com o pensamento bloqueado, com o peito aberto.

A perda do rumo não representa uma negação, mas, muito pelo contrário, é como se fosse algo óbvio, até procurado, e que só o nosso (pretenso) conformismo não nos deixava antever ou desviar da direção aparentemente certa, segura, em que até então nos deslocávamos.

A perda do rumo é a perda do ritmo, da cadência, da harmonia ou, talvez, sua substituição por outro som, outra melodia, outro andamento que, sem que percebêssemos, passou a dirigir nossos passos, nossa voz, nossa dança, nosso viver.

A perda do rumo também ocorre voluntariamente, um abandono do rumo, num caminho para uma armadilha reconhecida como tal, bem à nossa frente, que, sabemos, nos desviará de um azimute qualquer, que pode nem ser o rumo certo, se é que tal rumo existe, mas, assim mesmo, marchamos em direção a ela.

A perda do rumo é como um desvio, uma derivação de um trilho monótono, impeditivo, que restringia qualquer movimento periférico, mesmo que não enxergássemos nada nas laterais da vida, e que nos leva a desbravar o vazio ou até enchê-lo com algo que ainda buscaremos, transformando essa experiência num novo rumo, até perdê-lo, de novo.

A perda do rumo é o ganho de uma nova perspectiva, sob outro ângulo, com outra lente, vendo outras cores, outros matizes, daquilo que, objetivamente nada mudou, senão nossa percepção, como a afirmar a existência absoluta do subjetivo.

A perda do rumo não representa uma quebra de valores, nem é um novo compromisso, e muito menos uma busca por alguma solução para um problema insolúvel que a vida nos apresenta e do qual fugimos, numa tentativa inútil de contornar um continente.

A perda do rumo nos leva, no final, ao encontro com nossa própria sombra, deformada pela luz oblíqua de nossos sonhos e anseios, projetada no fundo da caverna, refletindo nossa perplexidade, ao descobrirmos que não houve perda porque não havia rumo, nada, senão um imenso desejo de nos tornarmos senhores de nossa própria vontade, como se houvesse espaço para tal, como se o tempo permitisse, como se esse caminhar fosse um ato solitário.


Escrito por Um Barco às 18h35


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