Terça, 22/11/2005

Fora de Mim

Aqui estou, fora de mim, me vendo por completo, transparente em todas as minhas faces e arestas. Me vendo de um modo que não me é dado ver nem saber, em condições normais ou mesmo em meus habituais mergulhos.

Aqui, fora de mim, me vejo nas tantas formas, atributos e manifestações em que me desdobro, seja para mim mesmo, seja para que outros, de mim, vejam aquilo que permito. Daqui, vejo também como os outros me enxergam, aquele outro de mim que me faço, na busca de alguma aparente objetividade que justifique ser o que mostro, para os olhos que, de mim, enxergam o que me é conveniente.

Lá está o eu que daqui vejo. Em um, muitos. É assim que me vejo, multifacetado, mosaico de personas, cada uma num mundo onde habita, nem tanto um todo harmônico, tampouco uma fragmentação sem coerência interna e todas elas orbitando em torno de uma essência, essa sim, clara, límpida, cristalina, meu "eu" mais representativo daquilo que idealizo e, portanto, menos representativo da realidade objetiva de minhas ações.

Fora de mim tudo é mais claro e até me sinto mais próximo daquilo que recuso aceitar, vendo em meus erros aquele traço de humanidade, a justificativa que minha auotcrítica sufoca e que minha consciência destrói a cada dia, como a águia devora o fígado de Prometeu.

Fora de mim, e num primeiro momento, penso estar livre de mim mesmo, dos referentes da vida e de seus interrelacionamentos, livre dos valores que nos acostumamos a incorporar e que fazem com que cada ação seja pensada, pesada e contextualizada aos seus efeitos nas pessoas que nos rodeiam, antes da decisão. Fora de mim me sinto novo, absoluto.

Mas não foi para isso mesmo que resolvi sair de mim? Para me libertar de amarras? Para ser algo novo? Para fugir de mitos?

Olhando, porém, para o mosaico de mim não posso deixar de perceber, como tantas outras vezes já ocorreu, a complexa teia de relações que me envolve, e às pessoas com quem convivo, com quem troco, com quem compartilho momentos, emoções, alegrias. Vejo tudo e me certifico, mais uma vez, que não adianta imaginar que serei capaz de atos isolados ou que estes só a mim afetarão.

Daqui de fora de mim, caio em mim, num real subjetivo, mais real do que a objetividade me permite. Fora de mim é que percebo o quanto meus atos se propagam, influenciando o comportamento dos que estão próximos de mim. E, como sempre ocorre, me certifico da inutilidade de qualquer esforço em pensar, em querer que minhas ações fiquem limitadas a meu espaço e no meu tempo, que só a mim afetem.

Saí Dédalo e me vejo Ícaro, cera do orgulho derretida pelo sol da realidade, caindo em direção a mim mesmo. Mas já não saí de mim outras vezes? E já não voltei outras vezes, só para sair de novo? Cada saída é uma visão diferente do eu que navega no tempo. Só me resta voltar a mim mesmo.


Escrito por Um Barco às 20h32


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