Quinta, 17/11/2005

Sair de Mim

Sair de mim, para uma outra visão de quem e como sou. Só não me atreverei a tentar descobrir porque sou, já que me faltaria fôlego para vôo tão alto, que se confundiria, em última análise, com um mergulho profundo, justamente o que não quero, não agora.

Me olhar de fora, bem de longe, também pelos olhos de outros (porque não?), me ver como já não me sei mais, como ainda não sei ou rever aquilo que teimo, por conveniência, em esquecer.

Me libertar de amarras inexistentes que eu inventei, como desculpa para não agir e me prender em teias que eu mesmo vou tecendo, dizendo a mim mesmo, enganosamente, que são inevitáveis.

Imaginar que, saindo de mim, vou deixar de mergulhar em mim mesmo, de olhar para dentro. Mergulhos interiores levam a masmorras escuras, onde sou prisioneiro de minhas próprias justificativas, o que me torna escravo daquilo que sou, embora teime em afirmar que não quero ser.

Deixar aqui em baixo, no fundo de mim, o carcereiro e algoz que insiste em me prender, em me limitar, com a desculpa que é preciso me proteger dos outros e, ao mesmo tempo, proteger os outros de mim, sabendo que na volta, sim porque sempre haverá uma, nada me protegerá de mim mesmo, muito menos o acaso.

Canção por canção, desacredito no epitáfio, que me engana, prometendo que "...o acaso vai me proteger, enquanto eu andar distraído...". Prefiro a nebulosidade luminosa de Luiz Melodia, me ensinando que "...um toque de sonhar sozinho te leva em qualquer direção, de flauta, remo ou moinho, de passo a passo, passo...".

Canção por canção, procuro não "...desprezar o tempo, o tédio, o certo...", como um ladrão faria, optando pela incerteza segura de quem sabe que, chegada a hora de sair de mim, só precisarei dizer "...devo de ir, fadas, inseto voa, inseto sem direção...as ilusões fartas, na fada com varinha virei condão...".

Para sair de mim, entretanto, preciso deixar de ser o condão que me fazem acreditar que eu seja, preciso buscar mais ilusões, e tão mais fartas, tenho de quebrar os encantos das fadas.

Ah...as fadas! São circes, sirenas, todas criadas ou ampliadas por meu imaginário que me enchem de encantos, me seduzem, mas que, com o tempo, vão deixando em mim um quebranto do qual não consigo sair e, mesmo que conseguisse, não desejaria.

Quero, careço, preciso (na ênfase de Caetano) sair de mim, nem que seja para constatar aquilo que, bem sei, me espera, mas serve de pretexto para que eu fuja dos mitos, porém sem ter de retornar ao plano cotidiano.

Sair de mim, numa espécie de dissociação daquilo que sou e daquilo que me imaginam, para ser algo novo, que nem sei o que é, mas que terá, por breves momentos, uma feição nova, como um renascer efêmero.

Sair de mim, retornar outro, não interessando se por pouco tempo, até a natureza cíclica da vida transformar esse futuro eu-outro no eu-mesmo que saiu de si, ainda que ligeiramente alterado pelo sair.

Sair de mim com um motivo para voltar, só para sair de mim.


Escrito por Um Barco às 10h07


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