Quarta, 07/12/2005

Estátuas de Água, Castelos no Ar

A arte de esculpir estátuas de água é um pouco diferente da arte de construir castelos no ar. Não é difícil e até acontece, em alguns momentos, sem que se perceba, sem nos darmos conta, num processo muitas vezes involuntário, que leva a construções efêmeras. Essas não contam, são meramente acidentais. Falo das estátuas de água que criamos, não das que coalescem e somem em seguida.

Para ser franco, quem de nós ainda não construiu castelos no ar? Mas castelos são simples, geométricos, inanimados. Por mais complexos que pareçam, nada mais são do que devaneios de fumaça e percebidos como tal. Nenhuma ilusão, nenhuma emoção ao vê-los, pairando em nossa frente. Quando se esfumam, podemos até lamentar, mas nada que um encolher de ombros não descarte do coração os resquícios da imagem fugidia.

Estátuas de água, porém, possuem um outro significado, são dotadas de um antropomorfismo proposital, decorrente de nossa visão interior e de uma vontade inconsciente de criá-las. São como uma forma capturada e assimilada por nosso imaginário, e pelo desejo em tê-las conosco, de desfrutar de sua beleza, de sabê-las nossas, como se fôssemos Pigmalião.

Sua gênese pode ocorrer subitamente, numa visão estonteante que que nos desloca do estado atual de equilíbrio e nos leva a um extremo de quase delírio. Também pode vir emergindo lentamente de dentro de nós, provocada pela visão que temos das pessoas que nos cercam. O fato é que começamos a esculpir uma estátua de água com as ferramentas que dispomos.

Emoção é a ferramenta mais apropriada para esculpir estátuas de água, mas para isso é necessário entender bem a natureza da água, é preciso sentir a maneira como penetra em nós. É essa água, em estado bruto, que será esculpida, em uma estátua, idealizada a partir de referências ditadas pelo modo como nossa percepção decodifica a realidade objetiva.

É isso! Idealizar é o verbo mais apropriado para o ato de criação dessas formas que, afinal, nem parecem existir, de tão tênues, apesar da força que delas emana, a ponto de nos afetar tanto, que nosso senso lógico se esconde, como se estivesse envergonhado. Mas, cá entre nós, quem precisa de lógica nesses momentos?

E vai tomando forma dentro de nós uma imagem humana, próxima ou não da figura que representa, do modelo mental. Uma torneada de solidão aqui, um amassamento de vontade naquele ponto, um leve retoque de desejo, uma pintura sutil de sonho, um sopro de ilusão e pronto!

Tão doce contemplar nossa criação, usufruir dela, imaginá-la, abstrair-se de sua transparência e de sua temporalidade nem sempre duradoura. Essa satisfação em ter criado, a partir de intangíveis, uma imagem aparentemente visível, sólida nos enche de orgulho, a ponto de desprezarmos qualquer resquício de bom senso, em detrimento daquilo que nossa vontade nos apresenta.

E a colocamos no castelo de ar que temos sempre guardado dentro de nós, como um jardim secreto, refúgio último, onde podemos estar, sem propriamente ser, apenas estar, senhor de seu castelo encantado.

E assim permanecemos, contemplando, orgulhosos, preocupados em mantê-la longe do sol da realidade que teima em penetrar (o que sempre ocorre), evaporando a água, expondo a visão original que nos fez esculpir a estátua, agora sem encanto, incorporada, assimilada, visão concreta.


Escrito por Um Barco às 13h49


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