Sábado, 12/11/2005

Blocos

Seria, inicialmente, um único post, "Janelas e Blocos". Entretanto, enquanto eu me debruçava sobre janelas, aos poucos me vi mergulhando em meu espaço interior, fui redefinindo o foco e, dos blocos, restou o parágrafo que dizia "Moça, vem pra janela, lá vem o bloco. Gente cantando alegre, sem ser feliz...". E a moça partindo, deixando "...só o luar na janela, mais um no bloco..."..

Filho único, o que talvez explique um pouco minha tendência a mergulhos interiores. Gostava de estar só e de dialogar comigo mesmo. Me sentia dono de uma total (na minha cabeça) autosuficiência, inclusive no campo emocional, que perdurou até a primeira paixão adolescente, seguida do primeiro fora da namoradinha. Algo assim como "...meu mundo caiu...", sem a dramaticidade dos adultos, mas com os afogamentos de mágoa em álcool (já citei isso em outro post).

O estar só, ou viver uma solidão consentida, era algo que eu às vezes queria muito, buscava mesmo e foi meu exercício de auto-conhecimento, diga-se de passagem, ainda não encerrado.

Havia momentos, porém, em que eu adorava estar com minha turma de bairro, minha patota, enfim, aquele agrupamento quase tribal, imprescindível (a meu ver) a qualquer rito de passagem pela adolescência, naquela longínqua década de 60. Era minha âncora social, minha iniciação aos meandros das relações humanas onde namoros e amizades eram trocados, nem sempre ao sabor dos interesses individuais. Eu me sentia parte do grupo, eu pertencia, eu não estava sozinho, e isso era importante.

Mas nunca perdi aquele querer, aquele gostar de estar só, principalmente com meu violão, quiçá o irmão que não tive. "...meu melhor amigo é meu violão..." que o Chico cantava parecia feito para mim.

"...são oito milhões de habitantes, aglomerada solidão...". Ouvi Tom Zé cantar esse verso da música de sua autoria, "São São Paulo", após minha fase de turma de bairro, em 1968, quando ainda não conhecia a cidade (onde morei, mais tarde), mas senti, na época, que a expressão traduziu, com muita fidelidade, minha relação com o tipo de vida que então vivia, uma espécie de coletividade forçada, embora por opção própria.

Também por essa época, Marcos Valle compôs "Bloco do Eu Sozinho", que chegou a ser quase um hino para mim, a ponto de amigos daqueles tempos até hoje me pedirem para cantar, em rodas de violão. Um pouco mais tarde, em 1971, aparecia "Bloco da Solidão", que cantava "...comigo só, lá vai meu bloco, vai". Em 2001, ou seja, em tempos bem recentes, a banda Los Hermanos lançou um álbum intitulado "Bloco do Eu Sozinho".

Quer dizer, sempre vivi essa ambivalência de estar só na multidão, de me sentir só em meio a agrupamentos, mesmo fazendo parte e gostando disso e, à semelhança dos dois parágrafos finais de "Janelas", incluo, nessa minha digressão, hoje um pouco mais explicitamente intimista, o imenso e fragmentado bloco das salas de chat disponíveis na internet, do qual também faço parte.

Nas conversas, algumas até anônimas, nas músicas ouvidas em conjunto, nos segredos compartilhados, nas trocas, cada um de nós, em seu próprio mundo, interior e exterior, sai da janela do monitor e entra no bloco, teclando, cantando, vivendo uma realidade, enganosamente apelidada de virtual. E compartilhamos um pouco de nós, até mesmo nossa solidão, talvez aglomerada, mas, à semelhança das turmas da adolescência, nos sentimos parte de um todo.


Escrito por Um Barco às 11h17


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