Sexta, 21/10/2005

Janelas

Um comentário de Dora ao meu post anterior, "Transcender", em que falei de janelas e de nossa incapacidade em abri-las, pelo menos para a paisagem que desejamos ver, me fez ir ao seu blog Pretensos Colóquios, onde o post "Insensatez", escrito por ela, trazia uma mensagem quase oposta à minha. Comentei o post, escrevendo: "A vida é pendular; que a música indique janelas abertas número dois, para que entrem todos os insetos, de preferência os vagalumes, as cigarras, as esperanças."

Fiz uma referência à canção "Janelas Abertas nº 2", de Caetano Veloso, onde, numa leitura muito minha, as janelas representariam uma alternativa preferencial de abertura interior a possíveis portas que, se abertas, poderiam nos levar a espaços internos amplos, labirínticos, a um encontro nem sempre desejado com fantasmas, inclusive e principalmente o nosso próprio. Vagalumes brilham, cigarras cantam, esperanças são uma espécie de gafanhoto todo verde que, dizem no Nordeste, é portador de boa sorte.

E pensei em janelas, no mundo que se descortina no outro lado, no modo aparentemente seguro de sentir a vida, estando nelas e de interagir com outras pessoas através delas.

E me lembrei de Januária, sempre à janela, alheia à admiração de quem passa, até do sol e do mar.

E me lembrei de Carolina que nem viu o tempo passar pela janela.

E me lembrei que "Ela e Sua janela", com sua menina e seu tricô, seu fogareiro e seu calor, seu castigo e seu penar, de tanto esperar alguém que não veio, decidiu ir "...talvez, viver de uma vez a vida".

E me lembrei de alguém que chamava: "Moça, vem pra janela, lá vem o bloco. Gente cantando alegre, sem ser feliz...". E a moça foi, deixando "...só o luar na janela, mais um no bloco...".

E pensei em tantas janelas, de casas baixas, em que se mostrava apenas colo e rosto, bloqueando parte do mundo, parte da vida, deixando entrar somente a quantidade de luz necessária ou a informação desejada.

Abrir portas é abrir a possibilidade para a passagem plena de corpos, entrada e saída, expondo-se por completo, arriscando, e nem sempre nos sobra coragem para tal.

É mais seguro abrir uma janela, participação apenas verbal e visual, no bloco da vida.

E pensei no monitor de computador, janela moderna, por onde vislumbramos um mundo aparentemente distinto, a que chamamos de virtual, manifestado em forma de salas de bate-papo ou de comunicadores instantâneos (MSN, ICQ), com valores que, em nossa imaginação, queremos novos. E nos debruçamos nessa janela, muitas vezes esquecendo-nos da essência humana por trás de cada ato e, como a moça chamada à janela, saímos de nós mesmos e passamos a ser mais um nesse bloco tão virtual, na forma, quanto real em conteúdo e conseqüências.

Só depois aprendemos que participar desse mundo na verdade não é, simplesmente, uma comunicação através de uma janela, mas o cruzar dos umbrais de uma porta para, quem sabe, viver de uma vez uma vida, outra vida.


Escrito por Um Barco às 15h24


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