Quinta, 21/12/2006

Sombras

É nas sombras que me descubro e me revelo, 
Como uma fotografia antiga na câmara escura.
Aparecendo aos poucos, ocupando espaços.
Sendo o que não posso ou não quero mostrar
Na claridade que engana, na luz que mente.

É nas sombras que vejo tudo com clareza,
Perdendo a noção dos detalhes, da nitidez,
Para me concentrar nos contornos.
Para ver e ser visto como gostaria,
Um forma apenas, um vulto, sombra na sombra.

Gosto das sombras, como uma criança a um tia
Daquelas que trazem um conforto
Irrequieto e alegre, mas reservado,
Como a um amigo a quem se confessa
Aquilo que nem a um irmão se revela.

Vejo nas sombras uma regularidade
Que a luz transforma em imperfeição.
Persigo as sombras como peregrino sem rumo,
Querendo apenas seguir, fugir, esquecer
Do clarão de lembranças, luz fria e cruel.

Mergulhar nas sombras silenciosas de luz,
Sentir nas sombras o gosto doce de mel,
Melancolia, esquecimento, solidão.
Tirar da sombra meu sol, como na canção,
Sabendo que não é mais do que é, uma canção.

As sombras me abraçam, me acolhem, me despertam,
Para uma realidade, que teimo em renegar,
Como se fosse possível, como se as sombras
Fossem mais do que são, mais do que insisto em ver,
Minha própria caverna interior, minha própria sombra.

Escrito por Um Barco às 19h56

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