Segunda, 17/04/2006

Solilóquio

Duas semanas desde o último post e eu, aqui, olhando para a tela do monitor, devaneando assuntos reais para preencher o vazio de um post ainda não escrito. Preencher vazios não é algo lá muito fácil, quando o objeto do preenchimento é intangível, fisicamente falando.

Preencher vazios com objetos emocionalmente densos é mais difícil ainda, a menos que os objetos se aproximem sem que sintamos, nos invadam e tomem de assalto, nos conquistem. Aí, só resta sentir-se pleno deles ou cheio deles, objetos de muitas feiçoes, uma delas até de solidão.

Acho que começo a divagar, mas pensamentos livres são assim mesmo, com vida própria e, por mais que briguem com as emoções freqüentemente nos levam a locais onde estas se escondem e espreitam, como se fossem cúmplices ou comparsas, até cairmos na cilada, que pode ser desde uma melancolia até uma tristeza daquelas que conseguem extrair suspiros de onde não há ar.

Na verdade, várias coisas relevantes ocorreram ao longo dessas duas semanas de silêncio, entretanto, sabem como é, a gente não tem muito tempo...não, não é verdade, temos tempo...fazemos nosso tempo, construímos nossas oportunidades, desprezamos tudo aquilo que não nos interessa, naquele momento, e seguimos, vida afora, senhores de um tempo inventado e, o que é pior, tentando nos autojustificar, perante os outros.

Meu micro deixou de funcionar, numa dessas quintas-feiras. Vencido o pânico inicial, afastei o gabinete para abrir e ver o que tinha acontecido. Nossa!...como havia poeira naquela barafunda de fios e cabos, uma poeira escura, em tufos escuros, oleosa, grudenta, um pouco como certos hábitos, quase reflexos, que temos e que aderem ao nosso dia-a-dia, sem nos darmos conta, como se fossem parte de nós mesmos, quando, na verdade, são como a poeira.

Abri o gabinete e, internamente, a paisagem de poeira parecia ainda pior, o que, confesso, já era de se esperar, afinal de contas é nas dobras, frestas, interiores, que as poeiras se instalam, se agregam, desfiguram, mancham, marcam.

A solução foi a desmontagem total, coisa que nem sempre é possível no local de uso. Há soluções que se tornam mais factíveis fora do ambiente natural. Foi assim que resolvi levar o micro para meu trabalho, fora de minha casa, e retirar todas as peças, limpar uma a uma, tirar a poeira, a sujeira, os vestígios de tudo que foi atraído para o interior e remontar tudo, em condições mais limpas, onde os contatos seriam mais seguros. Contatos necessitam de pureza, de força, para que a troca de energia se processe de maneira efetiva.

Depois de tudo limpo e montado é que pude diagnosticar o problema, consertar o micro e trazê-lo de volta à minha casa, em pleno funcionamento. Enquanto isso, o local onde é instalado havia sido limpo, os cabos também limpos e arrumados. Tudo igual, quer dizer, tudo quase como antes...quase...

Fui eu mesmo quem fez tudo isso, já que aquele micro foi montado por mim, da mesma forma que minha vida, sou eu mesmo quem vive, me construindo até hoje. Volta e meia a gente vai limpando os contatos, as poeiras, externas e internas, na medida do possível, na proporção de nosso interesse, ao sabor das demandas do pensamento e do coração.

O micro é o mesmo, nada mudou, salvo o fato de ter voltado a funcionar. Está limpo, interna e externamente, embora vá precisar de outra limpeza, em breve. Estar limpo é algo que exige decisão, mesmo que seja contrária à inércia imposta pela vida. Sentir-se limpo, estar limpo, como na música de Ivan Lins e Vitor Martins, exige que não se lave as mãos, exige decisão.


Escrito por Um Barco às 18h17

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