Sexta, 24/03/2006

Samba Triste

Ter escrito "Pr'um Samba" fez com que eu mergulhasse em minhas referências musicais, em especial as ligadas à música popular brasileira. A partir dos 15 ou 16 anos, minha vida de adolescente foi ponteada por minha relação com a música e com o violão. Cheguei a tocar (sem trocadilho) no assunto em uma série de posts, na versão anterior deste blog.

Não sendo, propriamente, um post triste ou exclusivamente sobre a tristeza, o título, também de alguma canções, é uma referência ao uso de um tipo de música, no caso o samba, unindo o uso do tom menor e a letra triste a um gênero musical geralmente associado à alegria e ao carnaval. Além disso, em alguns casos, associado a arranjos talvez animados demais para as mensagens, algo que pareceria até incoerente, não fôssemos brasileiros e acostumados aos contrastes de uma cultura musicalmente riquíssima.

Quando se ouve, por exemplo "Pra Dizer Adeus", de Edu Lobo e Torquato Neto, "...adeus, vou pra não voltar e onde quer que eu vá, sei que vou sozinho...", a melodia lenta acompanha a mensagem triste, quase trágica da letra. O mesmo pode ser dito acerca de "Balada Triste", cuja letra nos fala "...balada triste, melodia do meu drama, esse alguém já não me ama, esqueceu você também ...". Inúmeros outros exemplos poderiam ser invocados, mas um dos objetivos do post é o oposto, qual seja, falar de canções com letras tristes numa embalagem de samba, algumas com coro de vozes, bateria, numa espécie de contradição ou de negação da própria tristeza da letra.

O próprio rótulo "samba" é, na verdade uma pluralidade de estilos, que engloba desde canções intimistas a enredos carnavalescos e luxuosos, verdadeiras óperas. Em comum, o ritmo, em várias velocidades e andamentos. Sobre a natureza intrínseca do samba, uma letra de Noel Rosa, de 1932, afirmava que "...sambar é chorar de alegria, é sorrir de nostalgia dentro da melodia..." e mais "...e quem suportar uma paixão sentirá que o samba então nasce no coração...", isso numa canção em tom maior, com música de Vadico.

Com o nome "Samba Triste", tenho conhecimento de três canções. Uma, talvez a mais conhecida, com letra de Billy Blanco e música de Baden Powell, que diz "...samba triste, que antes eu não fiz, só porque eu sempre fui feliz, feliz, agora eu sei que toda vez que o amor existe, há sempre um samba triste...". É como se o samba fosse o veículo preferencial ou obrigatório para cantar as tristezas do amor ou fosse, ele mesmo, conseqüência disso, como a canção sugere.

Paulo Vanzolini também escreveu uma canção com o mesmo título "Samba Triste", de ambientação paulista, falando de "...samba triste, ecos de infâncias nas calçadas, samba triste de São Paulo na neblina, na garoa muito fina...". Por fim, consta um "Samba Triste", autoria de Vadim da Costa Arsky (que não conheço), quinta colocada no "I FESTA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA", realizado pela TV Record em novembro e dezembro de 1960.

Mesmo um autor como Tom Zé, conhecido por sua verve irônica e mordaz, junta samba, amor e tristeza em algo como "...eu chamei a dor pra fazer um samba triste e pedir que me arrumasse um amor e uma mágoa...", rendendo-se ao apelo do nome "samba" como veículo (étnico?) de todas as emoções, incluindo a tristeza. E, aqui, cabe o "Samba da Bênção", de Baden Powell com letra de Vinicius de Moraes, afirmando "...mas pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza...senão não se faz um samba não..."

De novo Baden Powell, desta feita com letra de Paulo César Pinheiro, em "Refém da Solidão", uma pérola bela e pessimista, pela mensagem que transmite, que "...essa vida é uma atriz que corta o bem na raiz e faz do mal cicatriz. Vai ver até que essa vida é morte e a morte é a vida que se quer...". O arranjo cantado por Cláudia, junto com Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro, o verso acima é cantado com um regional, ao som de surdo, violão, cavaquinho e um andamento rápido.

"Embarcação", de Chico Buarque e Francis Hime, cantada por este último, tem jeito de sambão, com coro feminino, à semelhança das "pastoras" do saudoso Ataulfo Alves, para cantar a tristeza da partida, "...ar, como eu precisava amar e antes mesmo do galo cantar eu te neguei três vezes. Cais, ficou tão pequeno o cais, te perdi de vista para nunca mais...".

Como de costume, escolho uma música pouco conhecida. A letra e autoria estão ao lado. Um belo exemplo de samba com mensagem triste que poderia até ser dançado. Ouçam, pensem e sintam como se canta uma tristeza, num samba, com coro, cuíca, surdo e tamborim.


Escrito por Um Barco às 23h10

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