Quarta-feira, 31/08/2005

Neblina

Ocorre meio de repente, sem que se dê conta, até. Em um momento, tudo parece claro, límpido, cristalino. E a neblina desce sobre a luz.

Não são as nuvens negras das tempestades dos problemas. Não é a névoa seca do amanhecer solitário e vazio. Não são os rolos de fumaça de alguma queima de sonhos ou ilusões. É a neblina, o branco que tudo cobre, até de forma meio luminosa, mas ocultando significados, calando.

Ela faz com que não mais se acredite na nitidez das coisas. Ela esconde as formas, oculta as posições, isola-nos de outro contato que não seja com o branco da neblina, nosso próprio e enevoado interior.

E ela paira em torno de nós, às vezes leve, apenas aguardando um sopro leve de compreensão. Mas ela pode pairar pesada, úmida, sufocante, exigindo lufadas fortes de boa vontade ou o calor do sol do despojamento.

A neblina é o mutismo da visão, o não querer ver e, por isso mesmo, o não querer falar. A neblina é a persistência daquilo a que nos acostumamos a ser e que se interpõe entre o que somos e o que queremos.

E seguimos em meio à neblina, sem farol, sem rumo. E nos perguntamos o motivo da neblina e a resposta nos foge, por já ter passado o contexto, o momento, a motivação. Só a neblina ainda persiste, lentamente se dissipando, disso temos consciência, mas ela está aí.

Mais angustiante, é a neblina que chega e encobre uma bruma já existente. E ficamos totalmente imersos, bruma em neblina, silêncio em mutismo, vazio em solidão.

Amanhã, porém, um novo dia trará um sol forte, que dissipará bruma e neblina. Brisas serão murmuradas, sorrisos trocados, alegrias compartilhadas. O amanhã é o fio de esperança de um acordar com o sol no rosto, o chegar ao lar e sentir-se em seu próprio lugar, sem pensar ou lembrar-se de brumas e neblinas.

E restará, quem sabe, um resquício de névoa, daquelas que pairam sobre águas calmas, meio ocultando, meio revelando, uma paisagem até onírica, numa realidade ainda de estranhamento. Por outro lado, talvez nada reste, nenhuma lembrança da neblina, só da bruma que a antecedeu. Ou, ainda, nada houve, quiçá um sonho daqueles que apenas incomodam e nem chegam a ser pesadelo.

Será que havia mesmo alguma neblina pairando?


Escrito por Um Barco às 18h42


[ Comentários  ]