Terça, 14/02/2006

Flutuar

Flutuar é boiar. É...é isso mesmo. Imaginem-se numa piscina ou numa praia de águas calmas, nada em que pensar, nada com que se preocupar, deitar-se de costas na água e equilibrar o corpo na superfície, braços abertos, olhos voltados para o céu, mente esvaziada de qualquer coisa que não seja uma sensação quase fetal.

Dito dessa maneira, parece muito fácil, porém não é. A menos que seja um bom nadador só se atinge esse estado usando uma bóia. É necessário uma boa dose de equilíbrio, pequenos movimentos com as mãos e braços, controle da posição da cabeça, para que não entre água nos olhos ou no nariz. Não basta querer tentar, é necessário um certo controle de si mesmo, bem como uma atitude apropriada.

Nesse estado não estamos navegando, muito menos mergulhando. Estamos, parados no tempo, sendo levados, não, embalados pelo movimento aleatório das águas, ventos, o que quer que venha de fora. Por dentro, estamos conscientemente inertes, por vontade própria mesmo, sem deixar que nada nos afete, nos deixando conduzir pelo balanço dos acontecimentos comuns, constantes, rotineiros.

Fuga, conformismo, inação, tudo isso e mais alguma coisa e menos muitas coisas. Leveza é a palavra-chave, não a insuportável ou insustentável de ser ou do ser, mas a leveza de estar leve, de se sentir imponderável, flutuando num vazio mental e emocional. Boiar nas águas quase uterinas de uma espécie de torpor sensorial, um barato anímico.

Exagero? Claro que é! Como são exagerados os mergulhos e vôos, ao sabor de emoções e reflexões, como são exageradas as paixões, como é exagerada a nossa capacidade de cobrar de nós mesmos um comportamento além do que nos permitimos e aquém do que desejamos.

Em horas assim, entendemos aquele refrão "..deixa a vida me levar, vida leva eu...", porque é essa mesma, a sensação, de estar sendo docemente embalado por movimentos suaves que não nos levam a lugar nenhum, meio como o pássaro que plana, imóvel, contra um vento, apenas pela atitude do corpo e das asas. Não sair do lugar e, mesmo assim, ter uma sensação de movimento.

E, como na letra da canção que ouvem, é uma "...suave coisa nenhuma, que me amadurece...", uma aceitação temporária do inexorável, sem revolta, sem nada, leve, e que a vida me leve...


Escrito por Um Barco às 18h40

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