Domingo, 31/07/2005

Essência e Forma

Águas de minha alma, correntes, ondas, remansos, cachoeiras, limpas ou turvas, ao sabor do vento soprado por minha emoção, zéfiro, minuano, mistral, simum. Areias e poeiras de meu pensamento, dunas móveis, molhadas pela alma, espalhadas pela emoção, redemoinho serelepe, bruma seca, nuvem negra ou pó, nas paredes de minha essência, com rastros, pegadas apagadas e refeitas por tantos peregrinos, habituais ou cotidianos.

Volto, de outra forma, ao meu mar interior. Volto, após despedida e viagem pelo rio diário da vida, meandro, irregular, inesperado mas constante no acompanhar do tempo.

Pensei em muitas coisas, senti quase tanto, vivi nem tanto. Ao longo desses mais de quatro meses em que Um Barco estava atracado, numa paisagem pintada de azul-luar, observado por uma figura feminina deitada na areia, ao som de uma música em tom menor, mas que trazia uma mensagem final de esperança ("...quem vive, luta partindo para um tempo de alegria..."), a mente voava, a alma vagava, o corpo trilhava.

E, volta e meia, pensava, como ainda penso, em direcionar os vôos da mente de novo para o mar virtual, apontando, para a alma que teimava em divagar, uma direção, quem sabe, querendo abrir uma derivação nos trilhos que insistiam em direcionar o corpo.

O ato de refletir, pensar, filosofar, escolham o verbo mais apropriado, mais que pede, exige um estado de espírito muito próprio. Pensem, quem é capaz de uma reflexão mais profunda num estado de alegria? A introspecção vem de uma solidão mental, projetada por um estado de espírito propício. Nem precisa ser tristeza, embora nos induza a uma fuga interior existencial.

Há os instantes de calma, de paz, daqueles que só os artistas concentrados em sua obra atingem. Há as horas de contemplação, em que mente e sentimento convivem em harmonia.

Pensei nas crianças, talvez as únicas a extrair da alegria sua metafísica e, roubando de Fernando Pessoa, "...Come chocolates, pequena; / Come chocolates! / Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates...". Naquele enlevo do saborear, a mente infantil, mas não pequena, já que engloba todo o futuro, é a personificação do filosofar.

E fui elaborando esta forma de Um Barco, com seus óbvios referenciais pictóricos, que escondem outras referências não tão visíveis, de minha essência.

Estou remanso, neste agora, em que me traduzo em palavras, barco de meu momento, veículo de minhas idéias, viajante de mim mesmo. Minha visão, ao me sublimar neste post, é serena, como os olhos atentos, aparentemente sérios, meu farol, nas nuvens do modelo (atual) deste blog.

A música, sempre ela, minha bússola, é (numa tradução livre) "A Menina dos Cabelos de Linho" (louros), de Debussy, calma, delicada, com um crescendo de curta duração e volta ao tema inicial, concluindo com uma subida de escala, indicando um futuro infantil, para todos nós, no "...tempo da delicadeza...".


Escrito por Um Barco às 17h12


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