Que restará de nós, no outro, quando o último véu cair?
Que diremos, um ao outro, sem as palavras,
Tão fartas quanto incompletas, que calam fundo sem mostrar
O que bem fundo escondemos, o só seu, o só meu?
Quando a cortina descer e a vida entrar,
Quando a visão da figura no fundo do real
Suplantar a ilusão da imagem projetada pela vontade,
E nos olharmos em silêncio, o que veremos?
Estaremos a sós e sós, com nossos medos,
Sem escudos, barreiras, máscaras, adereços,
Nada além de cada um de nós, nada aquém do tudo que somos
Mudos de palavras lidas, imaginadas, interpretadas.
Seremos o que o outro vê, nossa própria imagem tornada real,
Seremos, naquele momento, o que sempre fomos, até sem querer.
Seremos a soma das imperfeições percebidas, um todo, novo.
Seremos a diferença entre o lido e o olhado, teremos sido.
E, quem sabe, nos olharemos e perceberemos
Que sempre fomos tudo o que o outro quis ver e ter,
Que seremos mais do que o outro esperava, muito mais
Que os receios, imprecisões, incertezas.
E sorriremos, apenas isso, mudos, nos olhando.
Lendo no rosto do outro o antes desconhecido,
Vendo no olhar do outro nossa projeção mais fiel.
Deixando cair as amarras, mergulhando no mar do outro.
Escrito por Um Barco às 18h08