Sexta, 07/10/2005

Cedo ou Tarde

Cedo ou tarde, sempre mais cedo do que tarde ou bem mais cedo do que gostaríamos, a razão reclama o espaço e o tempo cedidos à emoção que havia transbordado, impondo o sol inclemente da consciência, secando os sentimentos e cobrindo a vida com o pó de uma nova realidade. Aí, é aquele antigo encarar a si mesmo, e não ter desculpas ou justificativas, ou abraçar o novo, tentar criar um vinho a partir das uvas esmagadas.

Tantas vezes, cedo e outras tantas, tarde, a vida nos empurra, guiada, é certo, por nossos próprios anseios, desejos, mitos, para uma aparente percepção diferenciada das coisas e, daí, a ações que, posteriormente, serão lamentadas por prematuras, inoportunas, intempestivas, tardias, ou abraçadas, como definitivas, como um novo caminho, mas só depois, sempre depois, cedo ou tarde.

Está tudo lá dentro e bem nítido, na mente, os passos da estrada conhecida, os segredos já sabidos de cor e salteado, o mapa completo de um [im]provável tesouro, mas nada disso importa, face ao encanto representado por aquele momento, aquele instante, aquele contexto. Tudo mais, no momento da decisão, era, no máximo, algo levemente irritante, descartável.

Cedo ou tarde, aquela pergunta recorrente se valeu a pena, não pelo que representou, mas pelo que projetou na tela em branco de nossa vida, pela aquarela pintada a fogo de sentimentos, de tons fortes, mas tão linda quanto solúvel, em maior ou menor grau, na água do tempo.

A auto-resposta é difusa, na medida em que valeu, sim, a pena, mesmo que a duras penas, e mesmo que apenas pela decisão tomada, pelo desfrutado, pelo novo, apesar do posterior travo na boca, do amargo da ilusão desmascarada, da ressaca do despertar de um sonho bom para uma antiga ou nova realidade, comum, igual, certa, inevitável. Mas valeu a pena!

Afinal, cedo ou tarde, já será muito tarde para que se faça algo que não seja lamentar o que tantas e tantas vezes já foi lamentado ou romper de vez com a ordem estabelecida, ao longo de anos, não havendo como retornar ao ponto anterior. O passar do tempo é cheio de irreversibilidades, a vida é entrópica, os sentimentos já não cabem mais no mesmo vaso de onde foram extraídos.

A partir desse ponto, tudo se torna uma questão de acomodação temporária a novas variáveis de estado, a novas instâncias de ânimo, a outros padrões de figura e fundo que se transformam num fluxo aparentemente estável de ser até que, cedo ou tarde, a emoção volte a transbordar, inundando o viver.


Escrito por Um Barco às 16h53


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