Sexta, 05/08/2005

Campo de Paz, Mar de Sossego

O post seria outro. Até já havia comentado sobre isso, com uma amiga.

O acaso, entretanto, teima em se intrometer em planos preestabelecidos, muitas vezes de forma suave, introduzindo variáveis, modificando comportamentos, atitudes, de forma não necessariamente definitiva e até fugaz.

Fim de expediente no trabalho, pessoal saindo e eu prolongando um pouco mais, talvez concluindo algo que poderia, perfeitamente, ser finalizado em casa. Silêncio, até estranho, num ambiente em permanente burburinho. Pausa. Olhos se afastam do monitor, voltam-se para a parede, contemplando o nada. Esvaziamento da mente. Lembrança de um filme, visto dois dias atrás, uma cena, uma música. Esta, que toca agora, em arranjo semelhante, só vozes murmurando as notas. Paz.

Tinha a música em meu micro. Coloquei-a para tocar, como faço agora, ao escrever este post. E me recostei na cadeira, ainda olhando o nada e vendo um tudo interior, através dos ouvidos.

Pensei num imenso campo plano, sem colinas, vegetação rala, não aqueles belos trigais ondulando ao vento, mas no capim rasteiro, tão comum aqui em nossa terra, horizonte vazio, céu claro, poucas nuvens, sol ameno. Eu, habitante único daquele mundo, apenas contemplava, talvez sentado, sentindo, sonhando. Fiquei ouvindo, parado, como tão poucas vezes nos permitimos.

Em algum ponto da música, me senti mergulhando no mar, como fazia, na juventude, em Salvador, praia calma, pedras, águas claras, apesar de não cristalinas, silêncio, corpo imerso, sossego quase fetal.

E fui ficando, repetindo a música, prolongando aquele momento de sintonia com o nada, para me sentir tudo, em dois mundos só meus, alternando entre campo e mar, ao sabor de mim mesmo, comunhão.

Não se planeja atingir algo assim, a menos que se exercite muito, em técnicas de meditação, que passam ao largo de mim, agitado por narureza. Chega-se em tal estado meio que de repente, numa transição lenta e imperceptível. Tão raro isso e tão necessário que, depois que se vive momentos assim, pergunta-se porque não vivê-lo mais vezes.

Aos poucos, fui sendo invadido pela realidade, emergindo de meu mar, abandonando meu campo, voltando à minha mesa de trabalho. Nem me lembro se concluí o tal trabalho. Desliguei o micro, saí, fui para minha casa.

Noite, todos em casa dormindo, sento-me à frente do micro, resgatando os farrapos daquele momento, costurando-os na forma deste post, para compartilhá-los com quem o lê e ouve a música. E o Largo da Sinfonia Novo Mundo, de Dvorak, me embala enquanto escrevo e publico.


Escrito por Um Barco às 23h25


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