Segunda, 28/11/2005

Cair em Mim

Em algum lugar do passado deste blog, numa digressão em torno do verbo navegar, escrevi um post com o título navegar em círculos, onde afirmava sermos cíclicos, numa repetição voluntária de ações. Ponteando o post, a música "Passacalha", de Edino Krieger e Vinicius de Moraes. "...rumo sem fim, dentro de mim..."

Imaginei sair de mim, elaborando sensações que isso despertaria, algumas já conhecidas e, efetivamente, saí de mim, buscando vivenciar tudo aquilo, sabendo que já havia efetuado vôos semelhantes, neste rumo cíclico e sem fim dentro de mim.

Pela minha ótica, sair de mim e mergulhar em mim se diferenciam. Mergulhar é revirar baús do passado e da consciência, é se ver em fotografias, tentando resgatar atributos perdidos, esquecidos ou abandonados, é se ver através de um poço profundo, é apenas se ver.

Sair de mim diz respeito à visão que tenho de mim mesmo, do agora e das relações com meu em torno, pessoas, objetos, lugares. É me ver do alto, pequeno entre muitos, segundo ângulos diferentes daqueles a que estou acostumado.

Cairia em mim, conforme previ no post anterior, com as referências espaciais de minhas relações mais nítidas em minha mente, não fosse um fato ocorrido e que veio lançar uma outra referência, de natureza temporal, no processo. Entre a queda e o escrever deste post assisti ao documentário "Vinicius". Não tanto pela história do poeta, mas muito mais pelo que cada música me dizia, em termos dos instantes representados em minha vida, me vi desdobrado no tempo, me vi mais claramente ainda, através de minha evolução e de minhas relações.

Enquanto via as cenas do filme e ouvia as canções, me enxergava e à teia de relações, e percebia que meu desdobrar no tempo complementava meu desdobrar na vida. E constatava, durante a queda, a recorrência das ações, independente da idade ou da vivência.

Me vi no hoje, repetindo, ao longo da vida, erros e acertos, amores e amizades, motivações e interesses. Abstraindo-se das alterações tecnológicas e de ambientes familiar, social, virtual, me comporto de modo semelhante, decidindo segundo valores socialmente variáveis, mas balizados por uma moldura constante ao longo do tempo. Consigo identificar os pontos de inflexão, nos quais decisões diferentes levariam a outras realidades.

Toda queda, porém, tem um fim. Em meu caso, meu mar, onde mergulhei por alguns instantes, para retomar a consciência do que sou, do que quero, do que me motiva, de quem me rodeia, enfim, do eu atual, revisto.

Eis-me aqui, não exorcizando fantasmas, até porque são todos meus amigos, são minhas facetas, são todos eus de mim mesmo. Eis-me aqui, escrevendo (ou digitando, para os puristas), nessa volta a mim, me aceitando um pouco mais, me criticando um pouco mais, me entendendo um pouco mais, não totalmente em paz comigo mesmo, porém sem revolta, reinserido em minha própria realidade objetiva e mais parte do que nunca do todo que me aceita e me embala.


Escrito por Um Barco às 17h19


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