Mais do que nunca, preciso ouvir as borboletas, já que as estrelas, apesar de toda sua palidez urbana, me ensurdecem.
Preciso ouvir a batida das asas das borboletas, sentir o ar levemente perturbado por sua passagem, me sentir, eu mesmo, perturbado, por sua mera existência.
Não basta apenas ver a revoada de uma, duas, muitas, voluteando por entre as flores, afinal é isso que se espera delas, das borboletas. Não. Há muito mais, sei que há, apenas preciso discernir melhor, me preparar, me predispor e isso não é fácil, como não é fácil perceber sua presença, até o momento em que emergem da memória.
Prefiro as borboletas às mariposas. Leio nas borboletas uma placidez nervosa, diurna, alegre. Olho as mariposas, noturnas, soturnas, deslumbradas com o novo, com a luz, a ponto de se entregarem ao calor letal, inconseqüentes. Invejo, covardemente, as mariposas e teimo em tentar ouvir as borboletas.
Ouvir borboletas é como sentir o tempo se fragmentando, é repensar a prioridade das coisas, é crer numa não linearidade dos fenômenos, é um ato de fé na mudança, é um fio de esperança, efêmera que seja.
Não que as borboletas queiram me dizer algo. Elas estão alheias a mim, a meus anseios, ao que penso delas. Sua existência, quando as percebo, me faz lembrar, de uma maneira muito tênue, mas incomodativa, como um dente prestes a doer, aspectos de mim mesmo, soterrados pelo cotidiano.
Ouvir borboletas é se dar conta de como o súbito, mesmo programado, está bem aqui, ao lado, prestes a irromper, truncando, tecendo, traçando, prendendo, mudando, transformando. Nem ouso falar do acaso, afinal, não será ele que me protegerá de mim mesmo.
É...estou precisando mesmo ouvir as borboletas. Ler, no barulho quase silencioso de suas asas, e ouvir, nas figuras nervosas desenhadas pela sua passagem, um canto luminoso de urgência, uma música muda de claridade, um necessitar enquanto ainda há tempo, pouco tempo, escoando, escorregando, o diluir da vida em pedaços de memória.
Tenho receio do que ouvirei das borboletas, mas, mesmo assim, ainda preciso ouví-las. Quero a percepção da porta, não o inverso. Saber que há uma porta é o bastante. Atravessá-la talvez nem seja tão importante, quanto saber que ela está lá. E é isso que espero ouvir das borboletas. O sentido da porta.
E espero. De vez em quando uma borboleta passa por mim, suas asas me suspiram, seu vôo me sugere, mas eu não entendo. E vão passando, mais uma, duas voando em conjunto. Todas me envolvem, murmuram sons e imagens. Todas me indicam a porta. Eu me recuso a percebê-la.
Preciso, antes de qualquer outra coisa, aprender a ouvir as borboletas.
Escrito por Um Barco às 18h10