Sábado, 27/08/2005

As Ilhas e as Horas

As ilhas vão surgindo e me acenando, mãos de folhas, vozes de ventos, olhos de frutas. Observo-as, ora calado, ora risonho, e vou deixando que passem por mim, velozes como um sorriso de esperança ou lentas como a espera pela pessoa amada. Em algumas, a água que refresca, o fruto doce, o repouso, a mansidão. Em outras, a turbulência que agita e impulsiona, a inquietude dos que tudo possuem, a luta, a vontade do retorno à viagem.

Assim como as ilhas, as horas me ultrapassam, enquanto me quedo numa contemplação, às vezes vazia, às vezes cheia de respostas a perguntas que não podem ser formuladas e, por isso mesmo, pouco representativas do que sou. Respostas sem perguntas são claras, límpidas, isentas de justificativas. Elas nos dizem aquilo que queremos ouvir, mas não aquilo que gostaríamos de nos dizer.

É da natureza dos barcos a busca pelas ilhas. É da natureza das ilhas a espera pelos barcos.

É da natureza das horas a delimitação do tempo. É da natureza do nosso tempo nos negar as horas.

As horas interligam as ilhas, que povoam o tempo que me conduz pela vida. As ilhas, vou encontrando, num passar de horas, num ficar parado por não querer remar, contra ou a favor da corrente. As ilhas que não encontro, que não me ultrapassam, são as horas perdidas, passadas.

Minhas horas são ilhas, de minutos, diminutas, de segundos. As ilhas que me povoam são a razão de ser das horas. Minhas horas se estendem ao longo do meu tempo, durante a passagem das ilhas, tornando-me mais consciente do passar das horas e de meu tempo.

Agora, porém, olho em volta e nada vejo. Nenhuma ilha. Muitas horas. Costumam chamar isso de muitas coisas, uma delas, solidão.


Escrito por Um Barco às 21h02


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