Quarta, 11/01/2006

A pesar

É como um vácuo, um vazio que, em ondas, vai tomando conta do peito, até se transformar numa espécie de angústia fria, dolorida, para, em seguida, diminuir, numa pulsação lenta e irregular, deixando um enorme sentimento de perda.

E tentamos racionalizar, buscar motivos, causas, mesmo sabendo que é tudo fruto de um processo natural, algo que se desenvolveu sob nossos olhos, nossa percepção, nossa consciência. A gente percebia, mas encolhia os ombros, imaginando que era só uma fase, não se dando conta que era mais uma daquelas passagens que a vida nos obriga a passar.

Tanto foi dito, de tal forma e com tal ênfase, que até hoje as vozes ecoam no vazio do coração, distantes, sons de bronze, como um quebranto a pesar na balança da alma, como mercúrio, prateado e líquido, fugidio e frágil, que não molha, não embebe, não agrega e se fragmenta em pequenas bolhas, ao menor choque, ao menor golpe, sem coesão, frio.

Do tanto que foi dito, entretanto, pouco resta. De tantos e tão vividos momentos, muita perda, mais pelo quanto houve do que pelo quanto deixou de haver, e nós, com a inútil certeza que haveria tanto, que não chegou a ser feito, talvez pelo medo de tentarmos, por um receio de perda daquilo tudo que, no final das contas, nem chegamos a ter.

Não que eu esteja sentindo, agora, tudo isso descrito acima, mas já senti, em alguma ocasião e sei que sentirei, em algum ponto do futuro. Ecos do passado ou, quem sabe, reflexos do futuro, desencadeados a partir de um estado de espirito e de uma música, essa que ouvem, de Gilberto Gil, cantada por Maria bethania e cuja letra se encontra abaixo.

A música é do álbum "Recital na Boite Barroco", gravado ao vivo em 1968. Foi o terceiro da carreira de Bethania, já consagrada por "Carcará" e por um disco anterior, com Edu Lobo. A música é típica do Gil dos primeiros tempos, letra singela, música não muito rebuscada, bastante valorizada pela interpretação e pelo arranjo.

Pé da Roseira
(Gilberto Gil)

O pé da roseira murchou
E as flores caíram no chão
Quando ela chorava, eu dizia:
"Tá certo, Maria, você tem razão"

Maria chorava, eu fugia
Sem ter nada mais pra dizer
O amor terminado, e Maria
Me via partindo, sem saber por quê

Me via partindo e chorava
Me amava e não podia crer
Que o mundo afinal me levava
E nada lhe dava o jeito de entender

Eu também não compreendia
Por que terminava um amor
Nem mesmo se o amor terminava
Só sei que eu andava e não sentia dor

Me lembro na porta da casa
Lá dentro Maria chorava
Depois, caminhando sozinho
Lembrei da ciranda que meu pai cantava

O pé da roseira murchou...


Escrito por Um Barco às 21h58


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